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Dylan Dog Omnibus – As Noites da Lua Cheia

História publicada somente em Dylan Dog #3 da Editora Record, em 1991.

Chegamos à terceira história de seis, que sairão no Omnibus de Dylan Dog publicado pela Mythos. A Confraria Bonelli está realizando matérias especiais sobre cada história para aprofundá-las através das várias referências ao cinema e à cultura em geral presentes na obra de Tiziano Sclavi.

Para cada matéria foi criado um Cartaz de filme, do qual tem alguma relação com a história mencionada. Em “As Noites da Lua Cheia”, o cartaz foi inspirado no filme “Um Lobisomem Americano em Londres” (1981), um dos preferidos de Dylan Dog, do qual ele já assistiu 14 vezes.

Como mostrado em Dylan Dog #1 – O Despertar dos Mortos Vivos.

Dylan Dog – As Noites de Lua Cheia. Publicado originalmente em Dylan Dog – Le Notti Della Luna Piena em 1º de dezembro de 1986. Roteiro de Tiziano Sclavi, arte de Giuseppe Montanari e Ernesto Grassani. Capa de Claudio Villa.

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Na capa, Villa não coloriu de vermelho a camisa de Dylan. Poucas vezes isso se repetiu em toda a série.

Destaque especial nesta edição é a estreia da dupla de quadrinistas Montanari & Grassani, ativos em Dylan Dog até o falecimento de Montanari em agosto de 2023. Uma grande perda para o quadrinho italiano e especialmente para os quadrinhos de Dylan Dog. “Sclavi e também outros roteiristas, pediam aos desenhistas coisas que beiravam o impossível. Por exemplo: um personagem é engolido pelo seu próprio quarto. Você pode escrever, mas o que significa graficamente? Montanari & Grassani conseguiam desenhar essas coisas impossíveis, graças ao estilo essencial e não realista”, destacou Gianfranco Manfredi no livro Making Of Dylan Dog (2007).

Em “As Noites de Lua Cheia” acompanhamos Dylan e Groucho investigando desaparecimentos misteriosos, lendas, testemunhos de aldeões aterrorizados. Na Floresta Negra, uivos distantes e mandíbulas bestiais atacam as presas. No internato feminino das irmãs Blucher, algo estranho está acontecendo e desconfia-se que seja culpa de Lobisomens! Dylan segue o rastro de uma garota desaparecida e, nas sombras da floresta, uma poderosa bruxaria o aguarda…

Poderia ser pior…

Marty Feldman como Igor.

No início da história, após uma transição nos quadros para os faróis do Fusca branco de Dylan, placas DYD 666, Dylan e Groucho estão na Floresta Negra, na Alemanha. Groucho deveria ter as feições do ator Marty Feldman, quando interpretou Igor no filme “O Jovem Frankenstein” (1974), de Mel Brooks. Claudio Villa, idealizador gráfico de Dylan Dog, após apresentar o estudo dos personagens para Tiziano Sclavi e Decio Canzio, teve que redesenhar tudo e substituir pela figura de Groucho Marx.

Estudos de personagem de Claudio Villa. À esquerda Groucho/Feldman. À direita Dylan…

Montanari & Grassani usaram fielmente a imagem de Dylan criada por Villa. “Fomos quase os únicos a usar como referência. Depois, com o tempo, encontramos a nossa própria versão, que é a que usamos até hoje”, destacam em entrevista na Edição Especial desta história publicada na Coleção: O Dylan Dog de Tiziano Sclavi.

Na página 15, quando Dylan pega a arma rapidamente para atirar no Lobisomem, é uma cena quase em câmera lenta. “O que me colocou em dificuldades foram os três quadrinhos para desempenhar uma ação. No início da série apareciam com frequência, para mostrar uma ação precisa”, ressalta Grassani. É uma das páginas menos convencionais da história.

A sequência profética de Groucho, logo após Dylan matar o lobo no início da história, remete ao famoso diálogo entre Gene Wilder e Marty Feldman no filme Frankenstein Júnior. Durante a cena da profanação da tumba, Dr. Frankenstein diz: “Que trabalho nojento”, “Poderia ser pior”, responde Igor. “Como?”, Pergunta o Doutor, “Poderia chover”, disse Igor, semelhante a Groucho, quando diz que um raio poderia cair sobre eles.

Os brasileiros nem percebem, mas os italianos nunca perdoaram. Dylan dirige o Fusca do lado errado! O motorista deveria estar à direita, como regem as normas de trânsito do Reino Unido.

Outra referência ao filme de Mel Brooks é a diretora do Colégio Feminino, Helga Blucher, assim como Frau Blucher, assistente do Barão Frankenstein. Além disso, o colégio feminino remete à escola de dança de Suspiria (1940), de Dario Argento, mostrado na sequência de abertura da história e que serve a Sclavi como cenário para a trama.

Em Suspiria de Argento, uma estudante americana de balé chega à conceituada academia alemã que a aceitara para iniciar seus estudos, mas logo se dá conta de que a escola é uma fachada para um mundo de assassinatos e bruxaria.

Suspiria, 1977.

Cloris Leachman como Frau Blucher em O Jovem Frankenstein.

Lobisomens Americanos e Stephen King

As Noites de Lua Cheia” é inspirado em vários filmes e romances pertencentes ao gênero de terror com Lobisomens, ou licantrópico. Cronologicamente, o mais próximo do lançamento da edição é “A Hora do Lobisomem” (1985), baseado no romance homônimo de Stephen King, Cycle of the Werewolf.

Nesta obra de King, na pequena cidade de Tarker’s Mill, que sempre foi um lugar pacato até que terríveis e violentos assassinatos começaram a acontecer. Os habitantes locais acreditavam que o responsável pelas mortes seja um psicopata à solta. Porém, um garoto de 11 anos chamado Marty (Corey Haim) acreditava que os assassinatos não estavam sendo causados por uma pessoa, mas sim por um lobisomem. Com a ajuda de sua irmã, Jane (Megan Follows), o jovem consegue escapar e decide ir atrás do monstro.

O filme do francês Éric Rohmer tem o mesmo título que a história brasileira, “Noites de Lua Cheia” (1984), e o título original é “Les nuits de la pleine lune”, mas nada tem a ver com Lobisomens.

Aproveitando, na mitologia grega, existe a história do rei Licaão da Arcádia, que fez Zeus comer as vísceras cozidas do próprio filho. Para puni-lo, o deus o transformou num lobisomem. É dele que vem o termo “licantropia” (a habilidade mágica de se transformar nessa criatura).

Já “Um Lobisomem Americano em Londres” e “Gritos de Horror” (The Howlling), ambos de 1981 tem várias referências na história de Sclavi. São obras que relançaram a figura do Lobisomem no imaginário popular. Na história, a transformação do lobo inspira-se na de Um Lobisomem Americano em Londres, com a sequência desenhada quadro a quadro buscando reproduzir em tempo real, como foi feito no filme. De Gritos de Horror, Sclavi pode ter tirado a ideia do clã dos homens-lobos.

Em Lobisomem Americano em Londres, filme de John Landis, somos apresentados aos amigos David Kessler e Jack Goodman que viajam dos Estados Unidos para conhecer a Inglaterra. Chegando em uma pequena cidade, eles vão ao bar e são friamente recepcionados. A situação piora quando Jack pergunta o porquê do local ter velas e um pentágono na parede. Ao saírem, eles caminham por uma estrada deserta e percebem que um animal está os cercando. Jack é atacado e tem seu corpo dilacerado, enquanto David fica apenas com cortes no rosto e nos ombros, o suficiente para transformá-lo em um lobisomem.

O clássico, “O Homem Lobo” (1941), com atuação magistral de Lon Chaney Jr., estão espalhadas por toda a história. O filme e o próprio Lon são citados por Rudy, dono da pousada na página 41. Além disso, algumas imagens dos lobos presentes na história, parecem inspiradas em Gmorg, o lobo negro que persegue Atreyu em “A História sem Fim” (1984).

Lon Chenney em O Homem Lobo.

Gmorg de A História sem Fim.

Coadjuvantes especiais

Otto, o garoto com deficiência intelectual que trabalha no internato, lembra muitos assistentes de médicos malucos ou monstros dos clássicos filmes de terror. Mas Otto pode ser considerado o protótipo de Gnaghi, companheiro de Francesco Dellamorte no romance de Sclavi “Dellamorte, Dellamore” de 1991 e do filme de Michele Soavi de 1994.

Gnaghi em Dellamorte, Dellamore

Os personagens coadjuvantes de “As Noites da Lua Cheia” são inspirados em filmes, ou grandes personalidades como o Inspetor Durrenmatt, que investiga em paralelo junto a Dylan. Seu nome é uma referência ao escritor suíço Friedrich Dürrenmatt (1921-1990), que renova o gênero policial ao escrever, A Promessa, que leva o subtítulo Réquiem para um romance policial.

Inspetor Durrenmatt.

O nome da menina desaparecida é Mary Ann Price, uma homenagem ao ator americano Vincent Price. Protagonista de muitos filmes de terror, especialmente em sua última interpretação, a do criador de Edward em “Edward Mãos de Tesoura”, de Tim Burton.

Mas você deve se lembrar dele quando interpretou a voz satânica no final da música “Thriller”, de Michael Jackson.

Nazistas não por acaso

Tal como acontece no primeiro volume de Dylan Dog, onde a narrativa central dos acontecimentos acontece em Undead (Morto Vivo), no volume três a história acontece na vila de Wolfburg, em alemão “Castelo dos Lobos”. É bem provável que além dessa brincadeira com o nome, Sclavi a tenha nomeado assim, semelhante à cidade de Wolfsburgo, cidade onde nasceu a Volkswagem no tempo dos nazistas (1937). E até por isso a maior participação do Fusca de Dylan na história.

 

Outro fato é o dono da pousada, Rudy (que em alemão devia-se escrever Rudi), com um bigode hitlerista ele odeia estrangeiros. Mas não estrangeiros como Dylan, que como diz ele, “é um estrangeiro da “Anglaterra””, mas sim dos estrangeiros que vivem na floresta. “chamamos de estrangeiros os que vem da floresta de vez em quando… homens nunca visto antes, nascidos do nada… nus ou vestidos em farrapos… e eles são maus!”, ressalta Rudy. Não é preciso ir longe pra notar que trata-se de racismo contra imigrantes de países de terceiro mundo, ciganos, etc…

Na página 46, Alexandra, uma garota do internato que ajuda Dylan menciona o Barba Azul, protagonista homônimo do conto de fadas escrito por Charles Perrault, que apareceu pela primeira vez na coleção “Contos da Mamãe Ganso”, de 1697. Em O Barba Azul, um conde muito feio casava e matava suas esposas em seu castelo. Após casar com a filha caçula de um de seus vizinhos, ela descobre o segredo do conde e é salva por seus irmãos.

Dança com Lobos

Imagem da menina Kamala.

A sequência final, que mostra uma criança criada por lobos refere-se primeiramente a Mogli, do clássico “O Livro da Selva” de Rudyard Kipling, imortalizado na animação de Walt Disney, “Mogli – O Menino Lobo” (1967). E também inspirado em casos de crianças criadas por animais, o mais famoso talvez seja das meninas da Índia Amala e Kamala. Também conhecidas como as meninas lobo, foram encontradas em 1920. A primeira delas tinha um ano e meio, vindo a falecer um ano mais tarde. Kamala, no entanto, já tinha oito anos e viveu até 1929. Elas agiam como filhotes de lobo, de forma incomum.

Cena do filme Among Wolves, de 2010, que conta a história de Marcos.

Cronologicamente, a história mais próxima do ano da publicação da história de Sclavi é a do espanhol Marcos Rodríguez Pantoja, que quando criança viveu, entre as décadas de 1950 e 1960, em completo isolamento nas montanhas da Serra Morena, na Espanha. Seu pai o vendeu como escravo para um pastor eremita, que quando veio a morrer, deixou a criança sozinha com apenas sete anos. Marcos fez de tudo para sobreviver nos arredores de Serra Morena, onde seguiu para as montanhas onde bebia leite de cabra, comia raízes e passava a maior parte do tempo com uma matilha de lobos.

Outro final Explosivo!

O final desta história é incrível. A bruxa terrível conta seu plano antinatural, (SPOILER) onde as irmãs Blucher fazem com que as meninas do internato acasalem com as criaturas meio homem e meio lobo para gerar uma nova e poderosa raça híbrida. O que seria uma história clássica de terror de lobisomem, na realidade é uma ferramenta que Sclavi utiliza para conduzir a sua batalha pessoal contra a violência contra os animais e os experimentos em seres vivos.

As irmãs Blucher são um símbolo do desejo do homem de se esforçar para além dos limites impostos pela razão. Querer substituir Deus e submeter a natureza aos seus próprios interesses. Dizer NÃO aos experimentos com animais era muito à frente de seu tempo e ainda hoje luta-se contra isso.

Dylan e Sclavi em proteção aos animais

Sclavi (à direita) com o cardiologista veterinário Roberto Santilli que salvou seu cão e o apoia na Fundação Otto.

Sclavi mora na província de Varese, com sua esposa, sete cachorros e dois gatos. Ele criou a Fundação Otto, para oferecer tratamento gratuito para cães e gatos portadores de doenças cardiopulmonares. A fundação leva o nome de seu cão da raça dachshund, Otto, salvo de uma pneumonia gravíssima graças a uma terapia baseada em uma medicação com ventilação assistida. Uma terapia muito cara e pouco difundida. “Minha esposa e eu nos dedicamos há anos e agora quase exclusivamente ao cuidado e proteção dos animais”, disse Sclavi.

Dylan Dog participa há anos de muitas campanhas em prol da defesa dos animais. Especialmente no verão, quando as pessoas vão para a praia e abandonam seus animais.

Ilustração de Nicola Mari.

Ilustração de Paolo Bacilieri.

Depois de seis anos, auxiliado pela primeira vez por Mauro Marcheselli, Sclavi escreveu a sequência dessa história, com desenhos de Montanari & Grassani. Ela foi publicada originalmente no volume 72 e no Brasil publicado pela Mythos em Dylan Dog #31 – A última lua cheia.

 

Em Dylan Dog o terror é somente a camada superficial. Sclavi, um gênio, coloca tantas camadas que a cada vez que fuçamos conseguimos achar mais coisas. Somente nesta terceira história ele já nos traz licantropia, bruxaria, nazismo, preconceito, ciência, além de cinema, cultura alemã, exploração de meninas, maus tratos contra animais, etc… E principalmente, a cereja do bolo de Dylan Dog: o horror verdadeiro que é provocado pelos próprios seres humanos.

 

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Dylan Dog Omnibus – Jack, o Estripador

Continuando a sequência de matérias sobre as seis primeiras histórias de Dylan Dog, que sairão no primeiro Omnibus do personagem, chegamos ao segundo volume: Jack, o Estripador. Esta história foi publicada no Brasil em 1991 pela Editora Record e agora estará disponível nas 604 páginas do Omnibus lançado pela Editora Mythos.

Aqui o intuito é nos aprofundar mais através das várias referências ao cinema e à cultura presentes na obra de Tiziano Sclavi. Para cada matéria foi criado um Cartaz de filme, do qual tem alguma relação com a história mencionada. Neste segundo, o cartaz foi inspirado no filme “Do Inferno” (2001), estrelado por Johnny Depp e Heather Graham, baseado na obra homônima em quadrinhos de Alan Moore e Eddie Campbell.

Do Inferno se passa na Londres de 1888, quando prostitutas são caçadas, assassinadas e mutiladas por um assassino chamado Jack, o Estripador. Assassino este que no mundo real se tornou famoso ao matar pelo menos cinco prostitutas no bairro Whitechapel. Sua identidade nunca foi definitivamente revelada, apesar de hipóteses e especulações. É com base neste personagem que Sclavi nos traz a segunda história de Dylan Dog.

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Dylan Dog – Jack, o Estripador. Publicado originalmente em Dylan Dog – Jack, lo Squartatore em 1º de novembro de 1986. Roteiro de Tiziano Sclavi, arte de Gustavo Trigo e capa de Claudio Villa.

Mesmo que se apresente como um terror, esta história se revela um mistério à la Agatha Christie. Na sessão espírita da sequência inicial, onde algumas pessoas trazem de volta o espírito de Jack, o Estripador, entre os participantes está Margareth Christie, referência à própria Agatha. Elizabeth Dewey, uma possível ligação à Thomas B. Dewey, autor americano de romances policiais hardboiled. E Lord Dunsany, escritor, poeta, dramaturgo e ensaísta anglo-irlandês.

O trabalho de Christie inspira a estrutura narrativa da edição. A sequência de assassinatos disfarçados com o objetivo de confundir e afastar suspeitas lembra o Serial Killer A.B.C., de “Os Crimes ABC”, romance de Christie publicado em 1936.

Agatha Christie escreveu mais de 100 livros. 40 deles dedicados ao detetive Hercule Poirot, do qual ela odiava.

Em “Jack, o Estripador”, somos apresentados a uma linda garota que contrata Dylan Dog para inocentá-la de um crime. Ela é Jane Sarandon, enteada da vítima, Sarah Sarandon que, segundo Jane foi morta pelo fantasma de Jack, o Estripador. Já pegou a referência seguinte certo? O sobrenome das duas é inspirado em Susan Sarandon, protagonista do filme Rocky Horror Picture Show.

Susan Sarandon em The Rocky Horror Picture Show.

Um fato interessante é que na página 17, quando Jane entra no corredor com as estátuas do escritório de Dylan, ela é atingida na cabeça por uma estátua de… Jack, o Estripador.

Jane trabalha em um Museu de Cera como vigia noturno, e lá temos várias imagens cinematográficas de terror e fantasia. A primeira estátua é Lon Channey (1883-1930) em sua interpretação de O Fantasma da Ópera de 1925. Em seguida temos Napoleão Bonaparte, o monstro Frankenstein e Adolf Hitler.

O pregador de rua que Dylan e Bloch encontram no parque grita: “Eu lhes digo que o diabo foi despertado! Jack, o Estripador, é apenas um dos seus nove bilhões de nomes. O diabo voltou para nós porque nós o chamamos com nossos pecados”. Dylan pergunta a Bloch: “Mas não é Deus quem tem nove bilhões de nomes?”.

É uma referência a uma história de ficção científica de Arthur C. Clarke, “Os Nove Bilhões de Nomes de Deus”. A obra foi publicada em diversas coleções e Clarke é considerado o iniciador do realismo fantástico.

A cena em que Dylan e Jane assistem no cinema, sem fazer referência explícita, pode ser uma homenagem à famosa sequência do elevador do filme “Dressed to Kill” (1980), de Brian de Palma (No Brasil, Vestida para matar).

Embora Dylan seja declarado abstêmio e ex-alcóolatra, na página 28 o vemos bebendo uma cerveja. Perdoável, já que era um personagem em construção, mas este tipo de exceção, intencional ou não, aparece em várias edições. Em algumas reimpressões estas cenas foram sendo corrigidas sugerindo um descuido involuntário.

O assassinato de Lord Dunsany é uma homenagem explícita à história em quadrinhos “O Encontro em SevenOaks”, com roteiro de Floc’h e desenhos de Rivière. Este quadrinho já foi publicado pela Editora Meribérica/Líber.

Jack, o Estripador retornou em maio deste ano em Dylan Dog Color Fest #49 – Cartas do Pesadelo, com roteiro de Giovanni di Gregorio e desenhos e cores de Emiliano Tanzillo. Em 1888, um assassino feroz ronda Londres, assina cartas delirantes e endereça à Scotland Yard. A cidade é tomada pelo terror e a polícia, através do Doutor Hyde contrata Dylan Dog, um investigador com um passado de vício em ópio. Uma alusão ao vício em cocaína de Sherlock Holmes. Para desmascarar o “monstro”, Dylan terá que enfrentar primeiro os seus próprios demônios.

A resolução do mistério ao longo dos anos

Em 1888, após a sequência de crimes perpetrada pelo assassino, o Dr. Thomas Bond a pedido da polícia de Londres traça um perfil da personalidade de Jack. A motivação dos assassinatos foi provavelmente sexual, mesmo que as vítimas não tenham sido estupradas. O assassino age sob o impulso de profunda raiva e ressentimento em relação às mulheres. Ele não é cirurgião nem açougueiro, pois seus cortes imprecisos revelam que ele não possui conhecimentos anatômicos.

O chefe da polícia, Melville MacNaghten, suspeitou de cinco homens, como escreveu num memorando de 1894 (tornado público em 1959). O último suspeito, William Bury em 1889, um ano após os crimes, estrangula a esposa, uma ex-prostituta. Então ele a estripa e a esconde em um baú. Descoberto, ele é enforcado.

Mas, em 2006, uma equipe de médicos coordenada pelo Dr. Ian Findlay, da Universidade Australiana de Brisbane, conseguiu extrair DNA da saliva seca atrás do carimbo de uma carta assinada por Jack, o Estripador. Só foi possível reconstruir parcialmente o DNA, que muito provavelmente seria de uma mulher.

Lizzie Williams, casada com o médico da realeza John Williams.

Em 2012 então é publicado na Inglaterra “Jack, o Estripador: A mão de uma mulher”, que retoma essa hipótese. O autor, John Morris, um ex-advogado de 62 anos, afirma que o serial killer era na verdade Lizzie Williams, esposa do ginecologista real Sir John Williams, que também acabou entre os suspeitos e foi rapidamente exonerado. Lizzie, na época com 38 anos, teria matado e estripado as cinco prostitutas porque não podia ter filhos e sofria com isso. Três delas tiveram os úteros removidos, corroborando a esta hipótese.

O fato de nenhuma vítima ter sido violada pode indicar que o assassino era de fato uma mulher; além disso, em uma cena do crime foram encontrados botões de uma bota feminina e em outra uma peça de roupa feminina que não pertencia à prostituta.

Em 2013, Antonia Alexander, descendente da última prostituta assassinada, Mary Kelly, identificou a foto colocada em um medalhão que Mary havia recebido de presente: é a de seu amante Sir John Williams, o médico real casado com Lizzie. A hipótese de os dois serem amantes já havia sido levantada pelos investigadores na época. De acordo com Alexander, não Lizzie, mas John Williams era Jack, o Estripador.

Porém, o assassinato de Mary Kelly, o último da série, foi de longe o mais brutal, dadas as más condições em que seu corpo foi encontrado. Pode-se dizer que, Lizzie Williams teria gostado de eliminar Kelly sozinha por ciúmes, mas, para não lançar suspeitas sobre ela (e também para “desabafar” a raiva que a devorava), primeiro matou as outras prostitutas e escreveu cartas para os jornais, a fim de criar um serial killer masculino imaginário na mente dos investigadores.

Heather Graham como Mary Jane Kelly no filme Do Inferno (2001).

Depois de ter torturado sua rival amorosa até a morte, ela não tinha outro motivo para continuar matando. O fato de apenas a última vítima ter sido morta em casa, onde só ela poderia estar, é indicativo; e não, como todos os outros, na rua onde você nunca sabe que prostituta poderia encontrar.

Alan Moore passou longe dessa teoria, já que em sua história, ele segue uma teoria do final da década de 1970, quando Stephen Knight propõe que as mortes estão ligadas à Coroa Britânica e que elas são uma tentativa de ocultar o nascimento de um bebê real ilegítimo do Príncipe Alberto Vitor, neto da Rainha Vitória. Toda esta conspiração estava conectada com a Maçonaria e com a própria Rainha.

Ao final da história de Dylan Dog, “Jack, o Estripador” vemos que o motivo dos crimes é realmente mais Agatha Christie do que os reais motivos de Jack. Porém, percebemos que quem mais chegou perto da teoria mais provável foi o próprio Tiziano Sclavi, mesmo com outros personagens e motivos.

Dylan Dog Omnibus – O Despertar dos Mortos Vivos

Com chegada prevista para agosto, a Editora Mythos está lançando o Omnibus de Dylan Dog. 604 páginas que trazem as seis primeiras histórias do personagem. Histórias estas publicadas no Brasil em 1991 pela Editora Record e que já não se encontram facilmente. Apenas a primeira edição, “O Despertar dos Mortos Vivos” foi republicada pela Conrad em 2001.

Por isso, para este momento histórico do personagem no Brasil, a Confraria Bonelli irá publicar uma série de matérias especiais aprofundando mais estas histórias através das várias referências ao cinema e à cultura presentes na obra de Tiziano Sclavi, além de suas próprias referências pessoais que ele inseriu em Dylan Dog.

Especialmente no primeiro volume, existem além das referências para a história, as referências para a criação do personagem e seu mundo. Por isto este texto ficou muito, muito grande.

Para cada história foi criado um Cartaz de filme, do qual tem alguma relação com a história mencionada. Neste primeiro, por exemplo, é o cartaz original de “A Noite dos Mortos Vivos” (1968) de George Romero. As obras do diretor foram inspirações para todo o clima da primeira edição de Dylan Dog.

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Dylan Dog – O Despertar dos Mortos Vivos. Publicado originalmente em Dylan Dog – L’Alba dei Morti Viventi em 1º de outubro de 1986. Roteiro de Tiziano Sclavi, arte de Angelo Stano e capa de Claudio Villa.

O primeiro e lendário número de Dylan Dog abre com um prólogo cinematográfico impecável: Sybil Browning é perseguida e por pouco não escapa do seu falecido marido, que se tornou um zumbi. Ela consegue sobreviver ao ataque e procura a única pessoa que pode ajudá-la, um detetive que toca clarinete e cultiva uma paixão por monstros e mistérios. O Investigador do Pesadelo Dylan Dog, e seu inseparável assistente, Groucho. Juntos, os três investigam o porquê do marido de Sybil ter se tornado um zumbi e vão até a Escócia em busca de outro cientista: Xabarás.

Sclavi já nos apresenta muitas das características que o investigador carregará consigo durante boa parte de sua carreira. Descobrimos imediatamente que ele é vegetariano, irônico, autodepreciativo (mas sério nos momentos críticos), brilhante, tão imprudente que não separa seus relacionamentos profissionais dos particulares (ir para a cama com clientes é quase normal), pobre e cético (até certo ponto, ele é alguém que “não acredita, mas espera que sim”) apesar de sua profissão particular.

Tem uma exclamação típica: “Judas Dançarino!”. Que originalmente vem do jornalista Gianluigi Gonano, que traduziu histórias de fantasia e ficção científica para as edições Gamma, entre as quais estava Allamagoosa. Uma história de 1955 de Frank Russell cujo protagonista exclamava muitas vezes, precisamente: “Josafá Saltitante!”. Sclavi, entusiasta de ficção científica se inspirou nesta expressão para criar a de Dylan.

Cinéfilo apaixonado pelo gênero terror, Dylan também tem fama de charlatão, difundida pelos jornais ingleses. Ele dirige um Volkswagen Maggiolino Cabriolet (Fusca conversível) branco, e tem o hobby de construir um molde de um galeão que nunca termina. Seu honorário é de 50 libras por dia mais despesas (taxa ajustada no futuro).

E o nome? Dylan Dog (Dilan, não Dailan), foi criado por Sclavi quase que por coincidência. Dylan foi simplesmente retirado do nome do poeta galês Dylan Thomas. Já Dog, ao passar pela vitrine de uma loja, se impressionou com o título de um livro: “Dog figlio di”, de Mickey Spillane. Sclavi nunca chegou a comprar o livro e nem leu. O Investigador do Pesadelo originalmente deveria ser um detetive atormentado e durão que morava em Nova York, mas a equipe editorial da Bonelli estava em busca de ideias mais originais e pressionou Sclavi a refazer o roteiro. O resto é história.

A capa e os Mortos Vivos

Poster que inspirou Villa para Dylan n.1.

Na capa da primeira edição, mãos em primeiro plano, erguem-se do chão para agarrar um homem que se destaca e detrás dele a lua cheia. Atrás dele, outras figuras estão prestes a pegá-lo em um abraço mortal, são os mortos vivos ou zumbis. Uma situação desesperadora para o que viria a ser conhecido como Investigador do Pesadelo, mas que por enquanto nos é apresentado pelo título: Dylan Dog.

Os zumbis voltaram à moda com o diretor George A. Romero em 1968 em A Noite dos Mortos Vivos (Night of living Dead), e foi onde surgiu a inspiração para a capa, desenhada por Claudio Villa e que também é o responsável pela criação gráfica do personagem. Villa se baseia em um dos cartazes do filme. Porém, Sclavi tirou as referências para a primeira história de Dylan Dog do filme “Dawn of the Dead” (1978), o segundo de seis filmes em que se consiste a franquia dos mortos vivos.

Na Itália, o segundo filme é mais conhecido como “Zombi”. No Brasil, “O Despertar dos Mortos”. O primeiro filme, realizado com baixíssimo orçamento, foi um enorme sucesso e a sequência foi co-produzida pelo diretor italiano Dario Argento para a distribuição na Europa e Japão. Argento fez alterações substanciais ao filme, cortou muitos diálogos, reduzindo as cenas em cerca de dez minutos. Na música, creditou-se como autor, junto a banda Goblin, da qual participou de vários filmes de Argento. Dario, do qual Sclavi é muito fã, anos depois acabou até mesmo escrevendo uma história para Dylan Dog, “Prelúdio para Morrer”, publicado pela Mythos em 2019.

Na primeira edição de Dylan Dog, “Zombi” é mencionado explicitamente, além das várias homenagens ao longo da edição. Na página 29, Dylan, Sybil e Groucho estão no cinema, para assistir a um festival de cinema de terror. A página abre com uma sequência do filme de Romero, em que se pronuncia a frase mais famosa: “Quando não houver mais lugar no inferno, os mortos caminharão pela terra”. Além disso, Dylan, apaixonado por filmes de terror repreende Sybil: “Não se atreva mais a chamar os “Zombies” de Romero de lixo!”.

No Brasil isto se perde um pouco, devido às traduções. Na edição da Record, Dylan diz: “E nunca mais chame de nojeira o Zumbi de Romero!”. Enquanto que na edição da Conrad ele diz: “E nunca mais chame de nojeira “A Noite dos Mortos Vivos” de Romero!”. Ou seja, um traduziu mal a questão de “Zombie” ser na verdade o nome do filme italiano “O Despertar dos Mortos”. Enquanto que o outro citou na verdade, o primeiro filme da franquia. Totalmente aceitável, porque ainda hoje com internet, é difícil colher informações precisas sobre estas curiosidades.

Dylan é Rupert, Rupert é Dylan

Dylan é graficamente inspirado no ator inglês Rupert Everett, que na época estrelou seus primeiros grandes sucessos como Another Country (1984) (No Brasil, Memórias de um Espião) e Dancing with a Stranger (1985) (No Brasil, Dançando com um estranho). Mas Villa não deixa muito claro esta semelhança na capa. Ela é mais evidente no traço de Stano, principalmente quando, em close-up Dylan parafraseia o espião inglês James Bond ao se apresentar: “Meu nome é Dog, Dylan Dog”. Everett interpretaria outro personagem de Sclavi, Francesco Dellamorte em 1994, no filme Dellamorte Dellamore, de Michele Soavi, baseado no livro homônimo de Sclavi.

Rupert Everett em Dellamorte, Dellamore.

O traço de Angelo Stano, como se sabe, remete fortemente ao estilo do pintor austríaco Egon Schiele, cujo retrato de Erich Lederer, de 1913 apresenta sugestivas semelhanças ao herói da Bonelli.

O Endereço do pesadelo

As referências cinematográficas continuam. Dylan mora e trabalha na Craven Road n. 7. Uma homenagem ao diretor americano Wes Craven, conhecido pela saga A Hora do Pesadelo (1984) e que, apaixonado por quadrinhos, dirigiu em 1982 o filme do personagem da DC Comics, Monstro do Pântano, criado por: Bernie Wrightson e Len Wein.

Em entrevista ao The Guardian, Sclavi diz que nunca esteve em Londres, pois como Dylan, tem claustrofobia e medo de avião. “Escolhi o número sete para a residência de Dylan porque é um número mágico, e o nome da rua é uma homenagem ao cineasta de terror e ator Wes Craven. Anos depois, um ilustrador que morou em Londres me disse que Craven Road realmente existe”, comentou Sclavi. Por coincidência, a Craven Road fica a menos de um quilômetro da Baker Street, 221B, famosa casa de outro detetive inglês, Sherlock Holmes.

“Dylan e Sherlock são muito diferentes, mas com algumas coisas em comum. Pensei em Holmes quando Dylan precisava tocar um instrumento musical e escolhi o clarinete em vez do violino, que era o instrumento de Holmes”, explicou Tiziano e complementa, “e ao invés da solução de sete por cento, (onde Holmes se injeta cocaína na concentração de 7%), eu fiz meu personagem ser um alcoólatra em recuperação”.

Outro elemento que Sclavi acrescenta é que Holmes depende totalmente da dedução, Dylan prefere seguir o instinto, ou seu “quinto sentido e meio”. Holmes é um violinista amador, e Dylan sabe tocar apenas uma música em seu clarinete, O trilo do Diabo, de Giuseppe Tartini. Outra diferença é que Holmes beira a misoginia e tem dificuldades em cultivar relações afetivas, Dylan muito pelo contrário, se apaixona por uma mulher a cada episódio.

Pequenos grandes detalhes

A campainha barulhenta da casa de Dylan é uma homenagem ao filme Dinner Party, de 1976. No vídeo com um trecho da versão italiana do filme, é possível escutar o som da campainha no minuto 2:59. Este filme, uma paródia do clássico gênero policial, tem a extraordinária participação do escritor Truman Capote, autor de A Sangue Frio, em sua única e verdadeira interpretação cinematográfica.

Em 2004, em entrevista ao programa “Antistoria del fumetto italiano – Il caso Dylan Dog”, para o canal Cult Italia Network, Sclavi conta que o Fusca conversível, ou como é chamado na Itália, Maggiolino Cabriolet, foi o primeiro veículo que teve, e que acabou se tornando o carro de Dylan também. “Eu gostava muito deste carro, percorri mais de 130 mil quilômetros com ele. Embora deva dizer que era um veículo que eu não devia ter comprado pelas minhas ideias políticas. Na época era o carro de jovens fascistas”, comentou Sclavi. Lembrando que o Fusca, um dos veículos mais populares do planeta, nasceu em 1934 em plena Alemanha Nazista. Foi projetado pelo engenheiro automotivo austríaco Ferdinand Porsche, encomendado por Adolf Hitler.

A mesa de escrivaninha de Dylan é a mesma em que Sclavi trabalha. E o galeão que Dylan monta, é um galeão que Sclavi também tem, mas fica guardado em seu porão. É uma versão do HMS Victory, de 1765. Foi a nau capitania do Almirante Horatio Nelson, Comandante da Frota Britânica que derrotou a Esquadra Franco-Espanhola na Batalha do Cabo Trafalgar, durante as Guerras Napoleônicas. Em Dylan Dog, ao longo dos anos descobrimos que o navio é uma ligação ao passado, presente e futuro do personagem.

Batalha de Trafalgar. Quadro de JMW Turner.

Freaks e Fantasmas

O sobrenome de Sybil é Browning, assim como Tod Browning, diretor do filme Freaks, de 1932, além de Drácula de 1931, estrelado pelo carismático Bela Lugosi. Ao conversar com Sybil, Dylan coloca no toca-discos o tema musical de Caça Fantasmas, de 1984, de Ivan Reitman, interpretado por Ray Parker Jr.

O escritório de Dylan nos apresenta entre os discos um do compositor russo Modest Petrovič Mussorgsky, assim como, atrás do investigador, é exibido o pôster do filme The Rocky Horror Picture Show.

Robert Morley.

Na página 26 é apresentado o Inspetor Bloch, inspirado graficamente no ator inglês Robert Morley, que estrelou uma centena de filmes entre 1938 e 1990. O sobrenome Bloch, é uma referência ao escritor Robert Bloch, conhecido pelo seu livro Psicose, imortalizado nos cinemas por Alfred Hitchcock em 1960. O primeiro nome do Inspetor é Sherlock, uma clara referência a Holmes.

O título do segundo capítulo da história é “The Horror”, que se refere ao romance “Heart of Darkness” de Joseph Conrad, que inspirou o sucesso de Francis Ford Coppola, Apocalypse Now, e em particular ao monólogo de terror do Coronel Kurtz.

Groucho Marx Show

Mas, não falamos ainda da principal e mais óbvia homenagem à história do cinema em Dylan Dog: Groucho. O assistente de Dylan tem o nome e a aparência do comediante Groucho Marx, mais conhecido pelo grupo de comédia dos Irmãos Marx, em atividade do final do século XIX ao final da década de 1940.

Groucho é seu companheiro, seu melhor amigo, assistente e funciona como alívio cômico, uma metralhadora de piadas non sense: “Ele já foi comediante. Talvez você já o tenha visto em algum filme”, comenta Dylan. O comediante faleceu em 1977 e é de certa maneira mágico vê-lo com tanta naturalidade em um quadrinho seriado. Sua grandeza vai além do espaço tempo.

Por problemas relacionados aos direitos autorais do personagem, na edição americana de Dylan Dog publicada pela Dark Horse, Groucho não tem seu icônico bigode e é chamado.. Felix! E nem está presente no esquecível filme de 2010 de Dylan Dog, substituído por Marcus Adams, interpretado por Sam Huntington.

Xabaras Abraxas

O nome do grande vilão da primeira história, Xabaras, é um anagrama para Abraxas, um dos nomes do diabo como deduz Dylan. Na realidade, Abraxas tem uma origem incerta, com base no misticismo gnóstico e somente para se opor a isso foi associado à figura do diabo pelos padres católicos.

Xabaras grita ao patologista Archibald Potter (mesmo nome do compositor irlandês): “Não abra essa porta! Não abra!”, e o homem responde, “E porque não deveria abrir esta porta?”, não seguindo seu conselho e libertando um grupo de mortos vivos. Uma referência ao filme O Massacre da Serra Elétrica (1974), do diretor Tobe Hopper.

Além disso, Undead, a cidade escocesa onde acontece a parte final da história, é o título em inglês do filme The Undead (1957), de Roger Corman, com tema também em zumbis e que a tradução literal é “morto vivo”, claro.

Quando Dylan encontra Xabaras em sua casa, ao lado de um cadáver deitado sobre uma mesa de operação, ele grita: “Posso devolver-lhe a vida!”. Uma referência a Frankenstein de Mary Shelley. Mas ao invés de descargas elétricas, Xabaras usa um soro moderno, que no entanto transforma suas criaturas em monstros famintos por carne humana, exatamente como aconteceu no filme Re-Animator, de 1985, de Brian Yuzna e do conto original de Lovecraft, publicado de 1921 a 1922.

Na página 57, Xabaras menciona a si mesmo como: “Eu sou a lenda”. Referência à obra do escritor Richard Matherson, que inverte a obra de Drácula de Stoker, imaginando um mundo onde todos os homens se transformam em vampiros, exceto um. Já foi adaptado várias vezes para o cinema, sendo a primeira em 1964, no filme O último Homem, estrelado por Vincent Price. Em em 2007, estrelado por Will Smith.

Não confirmado, mas Xabaras poderia ter sido inspirado no Dr. Frederick Treves, interpretado por Anthony Hopkins no filme Homem Elefante (1980), de David Lynch.

Conclusão explosiva

O roteiro da primeira história é denso e cheio de ação, mesmo sendo apresentado em um enredo clássico, mas com muitos diálogos frescos, irônicos e ainda atuais. Uma atenção quase obsessiva para com os personagens em cada quadro em um ritmo apertado. Existem numerosos momentos de terror que embelezam a história. Tesouras nos olhos, ressurreições à moda antiga de túmulos de cemitérios, ressuscitações de corpos nus no necrotério…

Além de momentos inesquecíveis como a viagem de trem e a fuga para a cidade de Undead, onde presenciamos o momento favorito de muitos leitores que é a viagem de bicicleta. O final “explosivo” ainda gera polêmica entre os fãs, mas vamos considerar que ainda se tratava de uma evolução do personagem.

É uma edição muito importante e um marco na história dos quadrinhos italianos. E com a chegada do Omnibus, um novo marco para o personagem no Brasil.

Dylan Dog, a depressão e o stalking

Novembro de 2023 chegava ao fim a Nova Série de Dylan Dog publicado pela Editora Mythos. A edição #32 trouxe a história “O Branco e o Preto”, escrita por Paola Barbato com desenhos de Corrado Roi, uma história de alto nível que só indicava que a coleção não deveria ter se encerrado ali. Este texto é mais uma análise da edição, por isso terá spoilers.

Dylan começa a enxergar estranhas manchas pretas, com frequência e cada vez maiores. Pontinhos no Groucho, no para-brisa do Maggiolinno, saindo da boca de sua namorada… A escuridão se espalha como um incêndio, mas apenas para Dylan, que permanece isolado e confuso. A realidade vai desaparecendo lentamente e Dylan perde todo o contato e fica sozinho na escuridão absoluta.

É quando ele encontra o Bicho Papão, personagem que Dylan já havia derrotado na edição #186 – O Homem Preto, ainda inédita no Brasil, escrita por Luigi Mignacco com desenho de Piero Dall’Agnol. Neste novo encontro, existe um enredo brilhante por si só, onde o bicho papão pede para que Dylan ensine o próprio filho a ser mais assustador e trabalhar melhor com seu ofício: apavorar. E também é explorada a questão de que a lógica neste mundo é totalmente invertida, tanto a questão da luz e escuridão, mas também nas palavras e sentimentos. Essa constância entre o branco e o preto e suas nuances é onde Corrado Roi brilha.

Dylan pergunta, “Então… Isso é o nada?” e o Bicho Papão responde: “Ah, não… Este é o tudo!”. Tudo é nada e nada é tudo e Dylan não consegue se libertar, o que nos leva a uma das premissas principais de O Preto e o Branco. Nos mostrar uma alegoria sobre a depressão.

A escuridão representa a irracionalidade e o branco a racionalidade. Dylan precisa lidar com seus medos para não se perder no branco, mas sem deixar-se dominar por eles para que eles não o devorem (pânico). Os conflitos que se seguem não são entre racionalidade e irracionalidade, mas sim entre emoções e sentimentos negativos e positivos, ou seja, entre dois elementos não racionais. Dylan se adapta ao mundo escuro evocando seus medos e depois enfrenta os monstros que ele invoca não com pensamentos racionais, mas com bondade, generosidade e risadas.

Dylan percebe que não consegue existir sem seus pesadelos, medos e fobias. Ele insiste em estabelecer um equilíbrio entre racionalidade e irracionalidade, medo e esperança. Para ele, são conceitos absolutos e imutáveis, e a estabilidade permanente pode ser alcançada dosando-os. Mas, na verdade, tudo é dinâmico e é impossível encontrar um equilíbrio. É impossível proibir ou evitar o medo, mas é possível superá-lo.

Dylan e seu maior medo

Barbato é uma das escritoras que melhor sabem escrever Dylan, depois claro, de Sclavi, o criador do Investigador do Pesadelo. Através de Dylan, sempre houve um forte comprometimento com as questões sociais, com histórias carregadas de mensagens sobre direitos, igualdade, paz, respeito aos animais… É sempre abordado um tema onde o leitor se pergunta, o que este tema significa pra si mesmo, e especialmente para Dylan Dog?

Em O Preto e o Branco, Barbato nos revela mais uma vez que um dos maiores medos do personagem é ser rejeitado, ficar sozinho. Especialmente pelas mulheres. Na história, o próprio Medo se personifica na forma de uma mulher.

Alegoria ao Stalker “perseguidor”

“A” Medo nos proporciona um diálogo muito interessante e terrível com Dylan: “Você me cortejou por muito tempo, às vezes com gentileza, outras vezes com veemência. Eu cedi, admito, e dançamos juntos muitas vezes”. Aqui, Barbato não está falando da relação de Dylan com um ser sobrenatural, mas sim das relações entre homens e mulheres.

Medo descreve as diversas formas como os homens se comportam como idiotas: “Você se tornou obsessivo, sufocante. Você sempre me procurava, em todos os lugares, sob qualquer pretexto… Se eu não chegasse imediatamente, você aumentava a dose, ia um pouco mais longe, cada vez mais, cada vez mais! Eu me tornei seu vício. Sua droga. E já é assim há tanto tempo que você começou a se acostumar. Quantas vezes você me desafiou? Quantas vezes você me forçou a ir até você? Eu nunca sou o suficiente para você, você me quer de novo e de novo! Você não é mais um amante, Dylan Dog. Você é um perseguidor.”

O comportamento possessivo mata o amor, que desaparece cada vez mais apesar da busca desesperada. Embora algumas mulheres também se comportem desta forma, a maioria dos homens com esse comportamento levam esta situação a pior das consequências: o feminicídio.

A Itália, assim como o Brasil, é um dos países que mais sofrem deste crime terrível. Em 2023 o país registrou 120 assassinatos de mulheres. Na última semana, um homem matou a mulher a facadas durante um jogo da Eurocopa entre Itália e Espanha. No Brasil os dados são ainda mais alarmantes. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2023 foram registrados 1.463 casos de mulheres que foram vítimas de feminicídio – ou seja, cerca de 1 caso a cada 6 horas. Esse é o maior número registrado desde que a lei contra feminicídio foi criada, em 2015.

Barbato nos mostra que perseguir, querer muito alguém nada tem a ver com amor: assim como o viciado em drogas Dylan não sente mais medo e os perseguidores não sentem mais amor. Tal como os stalkers, Dylan diz que não pode existir sem o objeto dos seus desejos: o medo. Por isso ele tem a profissão que exerce e o comportamento que tem.

O que se esconde debaixo da cama da história

No prefácio, Recchioni cita Coco Chanel, estilista que popularizou o uso de preto, antes utilizado apenas em ocasiões de luto e Corrado Roi cria o Bicho Papão inspirado no ser sobrenatural do filme de terror “O Babadook”, de Jennifer Kent, filme australiano de 2014. Falando em Roi, não é necessário dizer que seu trabalho é impecável, é o mestre do preto e branco e seus desenhos assustadores e oníricos tem o cenário perfeito nesta história.

No prefácio, Recchioni cita Coco Chanel, estilista que popularizou o uso de preto, antes utilizado apenas em ocasiões de luto e Corrado Roi cria o Bicho Papão inspirado no ser sobrenatural do filme de terror “O Babadook”, de Jennifer Kent, filme australiano de 2014. Falando em Roi, não é necessário dizer que seu trabalho é impecável, é o mestre do preto e branco e seus desenhos assustadores e oníricos tem o cenário perfeito nesta história.

No início da história, Groucho quebra a quarta parede quando Dylan se queixa dos pontos pretos que cobrem tudo e todos. Groucho diz: “A culpa é de quem nos desenha, ele sempre exagera com a tinta… Qual o problema, chefe? Você não entendeu a piada metatextual?”.

Dylan Dog – O preto e o branco é uma daquelas histórias que só poderia ser contada em um quadrinho, e em um quadrinho de Dylan Dog.

Panini anuncia Dylan Dog: O Planeta dos Mortos

A Panini Comics anunciou que irá lançar Dylan Dog: O Planeta dos Mortos em julho de 2024, o anúncio foi feito na live de lançamentos da Editora. Essa é uma edição especial da Sergio Bonelli Editore que mostra o Investigador do Pesadelo em um futuro distópico onde o mundo foi tomado por zumbis.
A edição será lançada em formato americano, capa dura, com 160 páginas e traz duas histórias completas escritas por Alessandro Bilotta. A primeira, colorida, é “Adeus, Groucho”, lançada originalmente em Dylan Dog ColorFest #10, com desenhos e cores de Paolo Martinello. E a segunda é “O crepúsculo dos Mortos Vivos”, que saiu em Dylan Dog Gigante #22 com desenhos de Daniela Vetro.


Bilotta escreveu uma história curta publicada em Dylan Dog ColorFest #2 em 2008, que dava um vislumbre de uma versão de Dylan mais velho, vivendo em um mundo onde a força de trabalho mais degradante era a dos zumbis. Foi o suficiente para que o público gostasse e a Sergio Bonelli lançasse uma série própria desta versão do Investigador.
Planeta dos Mortos nos traz Dylan quinze anos no futuro, mais velho e vivendo em meio a uma misteriosa epidemia que transforma humanos em zumbis. Dylan, agora um homem de meia-idade se depara com escolhas difíceis e é forçado a duvidar do que sempre acreditou. A série foi publicada completa em oito edições, mas a Panini não confirmou se publicará a série completa.
A edição já está em pré-venda no site da Panini.

 

Booktrailer da Bonelli:

 

Capa de Dylan Dog Color Fest #2

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