Novembro de 2023 chegava ao fim a Nova Série de Dylan Dog publicado pela Editora Mythos. A edição #32 trouxe a história “O Branco e o Preto”, escrita por Paola Barbato com desenhos de Corrado Roi, uma história de alto nível que só indicava que a coleção não deveria ter se encerrado ali. Este texto é mais uma análise da edição, por isso terá spoilers.
Dylan começa a enxergar estranhas manchas pretas, com frequência e cada vez maiores. Pontinhos no Groucho, no para-brisa do Maggiolinno, saindo da boca de sua namorada… A escuridão se espalha como um incêndio, mas apenas para Dylan, que permanece isolado e confuso. A realidade vai desaparecendo lentamente e Dylan perde todo o contato e fica sozinho na escuridão absoluta.
É quando ele encontra o Bicho Papão, personagem que Dylan já havia derrotado na edição #186 – O Homem Preto, ainda inédita no Brasil, escrita por Luigi Mignacco com desenho de Piero Dall’Agnol. Neste novo encontro, existe um enredo brilhante por si só, onde o bicho papão pede para que Dylan ensine o próprio filho a ser mais assustador e trabalhar melhor com seu ofício: apavorar. E também é explorada a questão de que a lógica neste mundo é totalmente invertida, tanto a questão da luz e escuridão, mas também nas palavras e sentimentos. Essa constância entre o branco e o preto e suas nuances é onde Corrado Roi brilha.
Dylan pergunta, “Então… Isso é o nada?” e o Bicho Papão responde: “Ah, não… Este é o tudo!”. Tudo é nada e nada é tudo e Dylan não consegue se libertar, o que nos leva a uma das premissas principais de O Preto e o Branco. Nos mostrar uma alegoria sobre a depressão.
A escuridão representa a irracionalidade e o branco a racionalidade. Dylan precisa lidar com seus medos para não se perder no branco, mas sem deixar-se dominar por eles para que eles não o devorem (pânico). Os conflitos que se seguem não são entre racionalidade e irracionalidade, mas sim entre emoções e sentimentos negativos e positivos, ou seja, entre dois elementos não racionais. Dylan se adapta ao mundo escuro evocando seus medos e depois enfrenta os monstros que ele invoca não com pensamentos racionais, mas com bondade, generosidade e risadas.
Dylan percebe que não consegue existir sem seus pesadelos, medos e fobias. Ele insiste em estabelecer um equilíbrio entre racionalidade e irracionalidade, medo e esperança. Para ele, são conceitos absolutos e imutáveis, e a estabilidade permanente pode ser alcançada dosando-os. Mas, na verdade, tudo é dinâmico e é impossível encontrar um equilíbrio. É impossível proibir ou evitar o medo, mas é possível superá-lo.
Dylan e seu maior medo
Barbato é uma das escritoras que melhor sabem escrever Dylan, depois claro, de Sclavi, o criador do Investigador do Pesadelo. Através de Dylan, sempre houve um forte comprometimento com as questões sociais, com histórias carregadas de mensagens sobre direitos, igualdade, paz, respeito aos animais… É sempre abordado um tema onde o leitor se pergunta, o que este tema significa pra si mesmo, e especialmente para Dylan Dog?
Em O Preto e o Branco, Barbato nos revela mais uma vez que um dos maiores medos do personagem é ser rejeitado, ficar sozinho. Especialmente pelas mulheres. Na história, o próprio Medo se personifica na forma de uma mulher.
Alegoria ao Stalker “perseguidor”
“A” Medo nos proporciona um diálogo muito interessante e terrível com Dylan: “Você me cortejou por muito tempo, às vezes com gentileza, outras vezes com veemência. Eu cedi, admito, e dançamos juntos muitas vezes”. Aqui, Barbato não está falando da relação de Dylan com um ser sobrenatural, mas sim das relações entre homens e mulheres.
Medo descreve as diversas formas como os homens se comportam como idiotas: “Você se tornou obsessivo, sufocante. Você sempre me procurava, em todos os lugares, sob qualquer pretexto… Se eu não chegasse imediatamente, você aumentava a dose, ia um pouco mais longe, cada vez mais, cada vez mais! Eu me tornei seu vício. Sua droga. E já é assim há tanto tempo que você começou a se acostumar. Quantas vezes você me desafiou? Quantas vezes você me forçou a ir até você? Eu nunca sou o suficiente para você, você me quer de novo e de novo! Você não é mais um amante, Dylan Dog. Você é um perseguidor.”
O comportamento possessivo mata o amor, que desaparece cada vez mais apesar da busca desesperada. Embora algumas mulheres também se comportem desta forma, a maioria dos homens com esse comportamento levam esta situação a pior das consequências: o feminicídio.
A Itália, assim como o Brasil, é um dos países que mais sofrem deste crime terrível. Em 2023 o país registrou 120 assassinatos de mulheres. Na última semana, um homem matou a mulher a facadas durante um jogo da Eurocopa entre Itália e Espanha. No Brasil os dados são ainda mais alarmantes. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2023 foram registrados 1.463 casos de mulheres que foram vítimas de feminicídio – ou seja, cerca de 1 caso a cada 6 horas. Esse é o maior número registrado desde que a lei contra feminicídio foi criada, em 2015.
Barbato nos mostra que perseguir, querer muito alguém nada tem a ver com amor: assim como o viciado em drogas Dylan não sente mais medo e os perseguidores não sentem mais amor. Tal como os stalkers, Dylan diz que não pode existir sem o objeto dos seus desejos: o medo. Por isso ele tem a profissão que exerce e o comportamento que tem.
O que se esconde debaixo da cama da história
No prefácio, Recchioni cita Coco Chanel, estilista que popularizou o uso de preto, antes utilizado apenas em ocasiões de luto e Corrado Roi cria o Bicho Papão inspirado no ser sobrenatural do filme de terror “O Babadook”, de Jennifer Kent, filme australiano de 2014. Falando em Roi, não é necessário dizer que seu trabalho é impecável, é o mestre do preto e branco e seus desenhos assustadores e oníricos tem o cenário perfeito nesta história.
No prefácio, Recchioni cita Coco Chanel, estilista que popularizou o uso de preto, antes utilizado apenas em ocasiões de luto e Corrado Roi cria o Bicho Papão inspirado no ser sobrenatural do filme de terror “O Babadook”, de Jennifer Kent, filme australiano de 2014. Falando em Roi, não é necessário dizer que seu trabalho é impecável, é o mestre do preto e branco e seus desenhos assustadores e oníricos tem o cenário perfeito nesta história.
No início da história, Groucho quebra a quarta parede quando Dylan se queixa dos pontos pretos que cobrem tudo e todos. Groucho diz: “A culpa é de quem nos desenha, ele sempre exagera com a tinta… Qual o problema, chefe? Você não entendeu a piada metatextual?”.
Dylan Dog – O preto e o branco é uma daquelas histórias que só poderia ser contada em um quadrinho, e em um quadrinho de Dylan Dog.
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