Esta semana muito se falou sobre a Editora Mythos e buscando colher mais informações acabou surgindo uma excelente novidade. Por e-mail o Editor e sócio da Mythos, Dorival Vitor Lopes revelou que a editora já está preparando o segundo volume de Dylan Dog Omnibus para dezembro.
Dorival Vitor Lopes. Foto: texwillerblog.com
“Estamos firmes e fortes e já trabalhando no plano editorial do próximo ano. E nosso projeto mais imediato é fazer nossas vendas crescerem e preparar o Dylan Dog Omnibus nr. 2 para dezembro”, revelou Dorival.
O primeiro volume, lançado em agosto, superou as expectativas de vendas da editora que precisou fazer mais de uma tiragem para dar conta dos pedidos em pré-venda. Com 604 páginas, a edição traz as seis primeiras edições do Investigador do Pesadelo, todas com roteiro do criador do personagem, Tiziano Sclavi e desenhos de Angelo Stano, Corrado Roi, Gustavo Trigo, Montanari & Grassani, entre outros.
Todas as seis edições já haviam sido publicadas pela Editora Record no início da década de 1990 e a primeira, “O Despertar dos Mortos Vivos” foi publicada pela Editora Conrad em 2001.
E para o próximo Omnibus teremos as seguintes histórias:
Dylan Dog #7 – A Zona do Crepúsculo, com roteiro de Tiziano Sclavi e desenhos de Montanari & Grassani. A vida flui em Inverary, lenta e lamacenta como a água do pântano. Mabel Carpenter (referência a John Carpenter) experimenta uma angústia silenciosa enquanto os dias seguem preguiçosamente… Será sempre assim? Vai ser desse jeito todos os dias? Há algo estranho na neblina do lugar. Qual é o segredo que o Doutor Hicks esconde? Por que ninguém nasce e ninguém morre na eterna quietude de Inverary? Muitas perguntas certo? Somente o Dylan pra desvendar tudo.
Dylan Dog #8 – O Retorno do Monstro, roteiro de Tiziano Sclavi com arte de Luigi Piccatto. Leonora Steele é cega, mas pode ver com os olhos da memória. A morte chegou perto dela há muitos anos, quando sua família foi assassinada por um louco. Agora este monstro voltou! Damien, o gigante assassino fugiu do manicômio para matar Leonora e o único que pode impedi-lo é Dylan Dog. Esta edição também foi publicada pela Conrad em 2001.
Dylan Dog #9 – Alfa e Omega. Roteiro de Sclavi com desenhos de Corrado Roi. A noite se ilumina e um objeto estranho despenca do espaço. A jovem Amy Irving encontra uma força alienígena com um poder incrível: o poder de se moldar em formas infinitas. Os mistérios de todo o cosmos se abrem diante de Dylan Dog. Qual é o propósito secreto da criatura? Por que ele escolheu a Terra? E por que ele quer um filho com Amy? Eeeeepa!! Uma das primeiras e brilhantes histórias de Sclavi que tratam de ufologia.
Dylan Dog #10 – Através do Espelho. Roteiro de Sclavi com desenhos de Giampiero Casertano.
Aditrevid é etrom A… Sim, às vezes é preciso ler o livro do Destino de trás para frente para entender a trama. Uma cadeia de mortes sem explicação e sem culpados, monstros infernais que saem dos espelhos, portas abertas para outros mundos. Tudo começa na casa de Rowena durante um baile de máscaras, um baile em que ninguém é o que parece ser…
Dylan Dog #11 – Diabolô O Grande. Roteiro de Sclavi com arte de Luca Dell’Uomo.
Com um movimento ágil dos dedos, um manequim, sangue falso… e o voilá, o truque está feito! No espetáculo de Diabolô, a morte é encenada como uma ilusão perfeita, mas, na vida real, ninguém vê o truque… porque não existe! Um serial killer se move nos bastidores da magia e um caso difícil está no caminho de Dylan Dog: ele deve enfrentar todos os truques de mágica de uma mente perturbada.
Dylan Dog #12 – Killer! Roteiro de Tiziano Sclavi com desenho de Montanari & Grassani.
“Cão!” é a única palavra que escapa entre os lábios do assassino. O que isso significa? Um gigante invulnerável assola as ruas de Londres, matando com a frieza de uma máquina e ninguém consegue detê-lo. Sua força vem de uma antiga profecia, sua mente vazia tem um único propósito: Matar Sarah Connor! Não… semear a destruição, apenas. Adivinhem quem se coloca no caminho deste… Exterminador e quase acaba se dando mal? Dylan Dog!
Esta edição foi publicada pela Mythos em 2003 em Dylan Dog #6.
Aproveitando fica a dica de capa para o segundo volume com uma belíssima arte de Bruno Brindisi!
“A Beleza do Demônio” é a sexta história do Omnibus de Dylan Dog lançado pela Editora Mythos. Concluindo a série de matérias especiais que a Confraria Bonelli preparou para este material com o intuito de aprofundá-la através das várias referências ao cinema e à cultura geral presentes na obra de Tiziano Sclavi.
Para cada matéria foi criado um cartaz de filme, do qual tem alguma relação com a história mencionada. Em “A Beleza do Demônio”, o cartaz foi inspirado no do filme “A Beleza do Diabo” (1950), de René Sinclair.
Dylan Dog – A Beleza do Demônio. Publicado originalmente em Dylan Dog – La bellezza del Demonio de 1º de março de 1987. Roteiro de Tiziano Sclavi, arte de Gustavo Trigo e capa de Claudio Villa.
Larry Varedo era o melhor assassino profissional antes daquele fatídico dia em 1945. Um assassino frio e calculista, mas quando lhe contratam para matar Mala Behemoth, seu gelo derrete. Ela era tão linda, inatingível, quase como um fantasma ou.. um demônio! Dylan Dog irá precisar mergulhar nas areias do passado e até mesmo alcançar as profundezas do inferno para poder encontrá-la para Larry.
Claudio Villa retrata na capa um demônio visto de costas. Este demônio poderia ser inspirado em O Senhor das Trevas, interpretado por Tim Curry em “A Lenda” (1985), filme de Ridley Scott estrelado por Tom Cruise.
O título da obra, como mencionado no editorial da edição original, é inspirado em “A Beleza do Diabo” (1950), de René Sinclair. O filme é uma adaptação cinematográfica do poema trágico Fausto, de Goethe. Fausto é mencionado na história: “Eu chamo o Diabo, e ali está ele, parece até aquele romance… como se chamava? FAUSTO”.
Nessa obra, o personagem Mefistófeles (o diabo) aposta com Deus que Fausto tem um preço para a sua alma, como qualquer outro humano. Assim, Mefistófeles faz um trato com Fausto: satisfará todos os seus desejos em troca de sua servidão após a morte.
O clássico detetive noir
Jerry Lace, o homem com o rosto de Humphrey Bogart.
O assassino profissional, Larry Varedo é inspirado em muitos personagens do cinema e da literatura noir. Porém a referência mais próxima pode ser Luca Torelli, o Torpedo. Personagem da série em quadrinhos de Enrique Sánchez Abuli com desenhos de Alex Toth e Jordi Bernet. Torpedo foi publicado no Brasil pela Editora Figura e pela JBraga.
A natureza fantasmagórica de Larry também pode se referir ao Humphrey Bogart interpretado por Jerry Lacy em “Sonhos de um Sedutor” (1972) de Woody Allen. Neste filme, o crítico de cinema Allan (Woody Allen) entra em depressão depois que sua esposa o abandona. Ele busca consolo nos filmes que ama enquanto imagina Humphrey Bogart (Lacy) lhe dando conselhos de como lidar com as mulheres, sendo que estes conselhos são desprovidos de qualquer sutileza. Seu amigo Dick e a esposa Linda o encorajam a conhecer novas mulheres, mas com a sua personalidade frágil nenhuma tentativa funciona. Tudo piora quando Allan começa a ter sentimentos por Linda, passando a se sentir culpado.
O sobrenome, Varedo, vem de um município da Lombardia, na província de Monza e Brianza, não muito longe de Broni, cidade natal de Tiziano Sclavi. Na página 9 Varedo usa a palavra “Pula”, uma gíria usada na Itália para se referir à Polícia Estadual. Além disso, o nome da protagonista feminina, Mala, refere-se tanto ao conceito de mal, quanto à gíria para “submundo” do crime.
É daí que surgiram as tais “Canzoni della mala”, ou Canções do Submundo, na Itália. Um repertório popular de canções que apresentam canalhas, policiais, criminosos, presos, etc…. Idealizadas por volta de 1957/59 por Giorgio Strehler, com alguns autores de prestígio, entre eles a cantora Ornella Vanoni que levou estas canções ao sucesso.
Amor de mãe
Henry Travis como Clarence Oddbody.
O homenzinho, o pobre diabo que contrata Varedo apenas para se arrepender, chama-se Clarence Oddbody, exatamente como o anjo enviado por Deus a George Bailey, interpretado por James Stewart no filme de 1946, A Felicidade Não Se Compra. No filme, Clarence é um espírito candidato a anjo que recebe a missão de ajudar um homem muito valoroso, porém desiludido. George Bailey está à beira do suicídio quando é salvo por Clarence, que lhe mostra como ele é importante na vida de muitas pessoas.
O cadáver embalsamado do homem é uma alusão ao filme “Psicose” (1960), de Alfred Hitchcock. Porém a mãe e o filho psicopata aqui estão com os papeis invertidos. A mãe obesa e possessiva de Clarence pode vir de vários personagens. Uma é a Mama Fratelli, de Os Goonies (1985), interpretada por Anne Ramsey, que terá papel semelhante em “Jogue a Mamãe do Trem” (1987), com Danny Devito e Billy Cristal.
Anne Ramsay como Mama Fratelli em Os Goonies.
Na página 53 Dylan cita um dos famosos aforismos de Oscar Wilde: “Nada do que realmente acontece tem a menor importância.
A música que Dylan ouve em seu estúdio, na página 63 é Phantom’s Theme, de Paul Williams. Música que faz parte da trilha sonora do filme “O Fantasma do Paraíso” (“Phantom of the Paradise”, 1974) de Brian de Palma.
Por sua conta e risco
Behemoth, criatura presente na Bíblia.
A mulher que Varedo quer encontrar, Mala Behemoth, tem um sobrenome peculiar. Não é um dos nomes do diabo como Dylan menciona, mas sim uma gigantesca criatura lendária, mencionada, entre outras fontes, no Livro de Jó, na Bíblia.
Contempla agora o beemote, que eu fiz contigo, que come erva como o boi. Eis que a sua força está nos seus lombos, e o seu poder, nos músculos do seu ventre. Quando quer, move a sua cauda como cedro; os nervos da suas coxas estão entretecidos. Os seus ossos são como tubos de bronze; a sua ossada é como barras de ferro. Ele é obra-prima dos caminhos de Deus; o que o fez o proveu da sua espada.
Jó 40:15-24
Mala está hospedada no Hell’s Hotel (Hotel do Inferno), que fica na Rua do Paraíso, número 666 (número da Besta, segundo o Apocalipse de São João). Em outras palavras, entre o céu e o inferno.
Os demais sobrenomes presentes nas caixas de correio do condomínio onde Mala mora referem-se a escritores famosos: Burroughs, pode ser William S. Burroughs (autor de Junky e Almoço Nu), ou Edgar Rice Burroughs (criador de Tarzan e John Carter). Stevenson seria Robert Louis Stevenson (autor de A Ilha do Tesouro) e Conrad para Joseph Conrad (Coração das Trevas). Wilde para Oscar Wilde (O Retrato de Dorian Gray).
O feitiço recitado para evocar Mala, “Saday Agios Other Agla Ischiros Athanatos”, é a parte final de um feitiço de evocação contido no manuscrito denominado Opération des Sept Esprits des Planètes, guardado na Biblioteca do Arsenal, em Paris.
A invocação completa diz… leia por sua conta e risco:
“Eu te conjuro, N… (nome do demônio invocado), em nome do grande Deus vivo que criou o céu e a terra e tudo o que neles está contido e em nome de seu único Filho, redentor da raça humana, e do Espírito Santo, consolador benigno, e pelo poder do Empíreo Celestial, aparecer-me imediatamente e sem demora, e com uma aparência agradável, e sem ruído, e sem dano à minha pessoa e aos que me acompanham, e para que faça tudo o que eu lhe ordenar. Eu te conjuro, pelo Deus vivo, El, Ehome, Etrha, Ejel aser, Ejech, Adonay Iah Tetragrammaton Saday Agios outro Agla ischiros athanatos. Amém Amém Amém!”
Quando Dylan fala “Há quem diga que a vida de todo mundo é só um sonho”, ele pode estar se referindo a peça “A Tempestade” de Shakespeare, quando Próspero recita o famoso: “Nós também somos feitos da matéria de que são feitos os sonhos; e nossa curta vida está contida no espaço de um sonho”.
Mas, mais provavelmente é apenas uma citação à peça teatral “A Vida é Sonho”, de Pedro Calderón de la Barca, que narra as aventuras de Segismundo, filho renegado de Basílio, rei da Polônia que ao nascer é trancado em uma torre. Seu único contato com o mundo externo é Clotaldo, seu guardião e fiel servo de seu pai.
Nosso Ariano Suassuna, intelectual, escritor, filósofo, dramaturgo, romancista, artista plástico, ensaísta, poeta e advogado brasileiro, autor de O Auto da Compadecida e que costumava usar camisa vermelha e blaser preto, em uma de suas várias palestras pelo Brasil já falou sobre esta obra:
“A Beleza do Demônio” lembra o filme “Coração Satânico” (1987), que parece ecoar por toda a história. Detetive, clima noir, sobrenatural, elevador com porta pantográfica idêntica… Porém, por ser lançado no mesmo ano da obra, dificilmente teve alguma influência na história de Sclavi, já que as histórias da Bonelli são sempre realizadas um ano antes. “Coração Satânico” é baseado no romance “Falling Angel” do escritor americano William Hjortsberg, também autor do roteiro de A Lenda, de Ridley Scott.
Na página 46, o último quadro faz uma alusão ao quadro “Lamentação sobre o Cristo Morto”, de Andrea Mantegna. O restante da página pode ser uma referência à obra de Alfred Kubin e Grandville, em particular “O Sonho de Crime e Castigo” de 1847.
“O Sonho de Crime e Castigo” de Alfred Kubin e Grandville.
O contraponto resultante do patriarcado
Sclavi nos traz uma discussão moderna e bem elaborada sobre o patriarcado usando as duas personagens femininas da história. A mãe e a sedutora. A primeira é amada, a outra desejada, mas nenhuma é respeitada como indivíduo. Ambos os papeis oprimem as mulheres e as reduzem ao aspecto da sua existência que serve para satisfazer apenas as necessidades dos homens.
Mala, a sedutora é literalmente um demônio. Fascina o assassino Larry, Clarence e naturalmente Dylan. “A Beleza…” é uma história policial noir, e Mala é a clássica Femme Fatale. Ela está na Terra pois foi “conjurada” em 1782 e está prestes a retornar ao inferno graças ao término do prazo da convocação. Sua aparência é belíssima, e seu rosto é desprovido de qualquer emoção. É um objeto, um prêmio a ser conquistado, e quando nega os homens, ela é demonizada por isso.
Sua antagonista é a mãe de Clarence. Uma mulher grande, obesa e feia. Por causa de seu amor possessivo e obsessivo, ela embalsamou o cadáver de Clarence quando ele morreu de câncer e fingiu que ele ainda estava vivo. Apesar de toda a dedicação e declarando todo seu amor pelo filho, ele a acusa de ser má. “Seu amor me machucou. Me fez continuar sendo uma criança assustada. A culpa é sua mãe”, diz Clarence. Quais são as vontades da Sra. Oddbody? Seus sonhos, traumas, gostos ou sua história? Ela vive pelo seu filho e como indivíduo está reduzida à isso, como o papel de mãe que a sociedade patriarcal impõe.
O patriarcado é um sistema sociopolítico que coloca os homens em situação de poder, ou seja, o poder pertence aos homens. Com gênero masculino e a heterossexualidade como superiores em relação a outros gêneros e orientações sexuais. Por isso, é possível verificar uma base de privilégios para os homens.
Desta forma, o contraponto que Sclavi cria na história, da perseguida e linda Demônia, e da possessiva e cruel Mãe, e a relação delas com os homens da história reflete como a sociedade impõe valores, na maioria das vezes fruto do desejo dos homens, sem levar em consideração o desejo das mulheres.
Os Matadores é uma crítica social pesada de Tiziano Sclavi em uma história cruel de Dylan Dog. Uma sociedade refém de um terror homicida onde assassinos podem surgir até nos lares mais “perfeitos”. O mal adormecido em cada um pode, se adequadamente estimulado, surgir com toda sua fúria.
A Confraria Bonelli está realizando matérias especiais sobre cada história que sairá no Omnibus de Dylan Dog publicado pela Editora Mythos. Com o intuito de aprofundá-las através das várias referências ao cinema e à cultura geral presentes na obra de Tiziano Sclavi.
Para cada matéria foi criado um cartaz de filme, do qual tem alguma relação com a história mencionada. Em “Os Matadores” o cartaz foi inspirado mais uma vez em um filme de George Romero. É “O Exército do Extermínio” (The Crazies), de 1973, do qual Sclavi se inspirou para criar sua trama homicida.
Dylan Dog – Os Matadores. Publicado originalmente em Dylan Dog – Gli Uccisori de 1º de fevereiro de 1987. Roteiro de Tiziano Sclavi, arte de Luca Dell’Uomo. Capa de Claudio Villa.
Pode uma história de mais de trinta anos ainda ser social e politicamente atual? Relendo “Os Matadores”: certamente! Londres é invadida por uma onda de “violência e derramamento de sangue” (Violence and Bloodshed, como já dizia o Manowar no álbum Fighting the world), fobias desenfreadas, histeria coletiva, paranoia… Pessoas “normais” que de repente enlouquecem e, dominadas por um ímpeto incontrolável, matam qualquer um que esteja ao seu alcance, tornando-se os tais Matadores do título.
Não estamos nem na metade do primeiro semestre editorial de Dylan Dog, e Tiziano Sclavi já está em alto nível, firme em sua missão de revelar sua visão de mundo. De que o mal, a loucura, a centelha homicida está adormecida em cada um de nós e pode, se adequadamente estimulada, surgir com toda sua fúria.
O calor enlouquece homens e mulheres. E nada melhor do que o verão para sair matando. A estação convida a todos a sair de suas casas e se encontrar, mesmo na fria metrópole inglesa. Todos estão loucos, exceto um excêntrico Lord Inglês que bate à porta do Investigador do Pesadelo. Um dos personagens coadjuvantes mais queridos da série, Lord Wells.
Ele se apresenta como o inventor de um detector de maldade. Aparelho capaz de perceber a quantidade de mal presente nas proximidades. Munido de muito dinheiro e após irritar Groucho, o chamando de “mordomo” e “servo”, consegue chamar a atenção de Dylan.
Wells quer a ajuda de Dylan para impedir uma onda imparável de matança. O fim do mundo está praticamente sobre Londres e os meios de comunicação se aproveitam da situação para destilar mais medo na sociedade. Graças ao aumento da audiência e receitas recordes com publicidade, não medem esforços para aumentar o medo e a ansiedade da opinião pública.
Dylan e Lord Wells conseguem ligar a onda de assassinatos a uma sociedade secreta que tem o objetivo de criar uma nova ordem que os permita dominar o mundo. Segundo este grupo, é necessário obter o total controle e submissão da população e isso se consegue mais fácil e rapidamente através do medo.
Wells and Hells
David Niven.
Sir H. G. Wells é fisicamente inspirado em David Niven, ator inglês que ganhou um Oscar em 1959 por “Vidas Separadas”, mas que é muito lembrado por “Ingênua Até Certo Ponto” (1953) e “Vidas Separadas” (1958).
O nome é retirado do escritor Herbert George Wells, ou somente H.G. Wells, um dos pais da ficção científica moderna. Autor de numerosos romances como O Homem Invisível, A Máquina do Tempo, A Ilha do Doutor Moreau e Guerra dos Mundos.
A empresa responsável pela onda de loucura e morte chama-se Todd LTD. “Tod” em alemão significa “morte”. Também pode ser uma referência a Sweeney Todd, o lendário e suposto serial killer que operou em Londres no final do século XIX. Muitas obras de ficção foram dedicadas à sua figura. Entre elas o filme “O Diabólico Barbeiro de Londres” (Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street), de 1936, dirigido por George King e estrelado por Tod Slaughter (de sobrenome singular que significa “Massacre”), um musical homônimo de 1979 e o filme musical de Tim Burton, estrelado por Johnny Depp.
Na página 54 aparece de relance o diretor Dario Argento. Na edição escrita pelo próprio Argento, publicada no Brasil em Dylan Dog Graphic Novel – Prelúdio para Morrer, ele comenta que seria inevitável não escrever uma história de Dylan Dog: “Comprei na banca uma edição depois que me falaram das citações de meus filmes nas histórias”, declarou o diretor de Suspiria e Profondo Rosso, do qual Sclavi é muito fã.
“Os Matadores” ganhou um jogo em 1992 para o Console Amiga, Commmodore 64 e MS-DOS. O jogo era acompanhado por uma história em quadrinhos inédita intitulada “O Retorno dos Matadores”, escrita por Sclavi com desenhos de Montanari & Grassani. Foi reimpressa em Dylan Dog Super Book #22, 10 anos depois. Os Matadores serve como um prólogo ao jogo.
Nesta história também vemos a estreia de Luca Dell’Uomo. Desenhista da Toscana que depois volta em Diabolô, O Grande, mas que deixa a série para ir trabalhar em Mister No. Um desenhista que ressalta os detalhes dos personagens, das ações e especialmente da cidade de Londres, com muita vida e publicidade nas ruas.
O homem é o lobo do homem
Sclavi tinha um objetivo muito claro com “Os Matadores”. Apresentar aos leitores a ideia de que o próprio homem é a causa principal dos seus problemas e que partindo desse ponto não há possibilidade de retroceder, apenas avançar rumo a um horror quotidiano sem fim.
Sclavi provavelmente se inspirou para esta história no filme de George Romero “O Exército do Extermínio” (The Crazies), de 1973. Onde uma arma bacteriológica causa uma epidemia de violência homicida em uma pequena cidade da Pensilvânia.
Survivors da BBC.
Além do filme de Romero, o editorial da primeira edição menciona a série de televisão britânica “Survivors”, exibida pela BBC de 1975 a 1977. O tema central do seriado é a luta pela sobrevivência de um grupo de pessoas que escapou da contaminação de um vírus misterioso que extinguiu cerca de 90% da humanidade.
Ernest Hemingway tem um conto chamado “The Killers”, de 1927, mas nada tem a ver com a trama de “Os Matadores” de Sclavi. Em “The Killers”, na época da Lei Seca, 1920, os assassinos Max e Al entram em um restaurante e depois revelam que foram mandados para matar um ex-lutador de boxe, que chegaria ao restaurante em breve.
Página de Mutus Liber.
Na página 91, Dylan e Wells mencionam o livro “Mutus Liber”, um livro mudo publicado na França em 1677. De autor anônimo, é um famoso livro alquímico e uma das mais belas produções do período medieval. O livro consiste de uma série de figuras que ilustram todo o trabalho alquímico.
Na página 84 Groucho nos informa quais são seus livros favoritos: A Bíblia, O Alcorão, O Capital de Marx, Todas as Histórias de Poe e Moby Dick de Herman Melville. Todos materiais volumosos que ele também usa como…colete à prova de balas.
Política nos meus quadrinhos!
O sequestro e o assassinato a sangue frio de Aldo Moro, Juiz italiano.
Como Dylan Dog é um quadrinho italiano que se passa em Londres, é difícil que o mundo italiano não reflita na Londres fictícia do universo do personagem. “Os Matadores” é uma das histórias mais políticas de Sclavi até este momento. A tensão em que a sociedade é colocada devido à violência que se instala, faz referências ao estado de tensão que a Itália viveu nas décadas de 70 e 80. Principalmente devido ao surgimento de grupos de extrema esquerda como as Brigadas Vermelhas, que foram as mais estruturadas e que tinham sindicalistas, juízes, jornalistas, policiais e líderes políticos na mira.
Mas a história também bebe muito da influência do governo neoliberal de Margaret Thatcher, a Dama de Ferro que exerceu o cargo de Primeira-Ministra do Reino Unido de 1979 a 1990. Thatcher transformava a economia britânica através de uma combinação de repressão política e liberdade empresarial. De 1984 a 1985 aconteceu a lendária greve dos mineiros, a última batalha do movimento operário na Grã-Bretanha, que após um ano de conflito, semelhante a uma guerra civil, foi derrotado pelo Estado.
Thatcher fez valer seu programa de fechar as minas, mas conseguiu mais do que isso. Daquele ponto em diante, todos os sindicatos do país sabiam que não era possível contestar o governo, e que o neoliberalismo e o enfraquecimento dos direitos trabalhistas estavam ali para ficar.
Policiais reprimem greve de mineiros. Inglaterra, 1984. Foto de John Sturrock.
Antes do confronto, os mineiros somavam 200 mil, espalhados por 130 minas de carvão. Hoje, não passam de 1.800, em apenas seis minas. Nenhuma trajetória expõe tão bem a visão econômica dos anos Thatcher quanto a dos mineiros britânicos, reduzidos a pó e por nada. Ou seja, os trabalhadores foram aniquilados pelos verdadeiros “Matadores” como uma “Nova Ordem” mencionada na história. Empresários que tiram vantagem e detém o controle da economia mundial, amparados pelo Estado.
A crítica à direita conservadora também aparece na história, como no primeiro assassinato que é na família modelo, com o pai que quer se tornar chefe da seção de transportes, a esposa, dona de casa perfeita e duas crianças loiras. Ou seja, o horror está até mesmo em locais que se dizem “perfeitos”.
O discurso de Todd na Câmara dos Lordes, mencionando que a doença iria se espalhar pelo mundo inteiro, “não é consequência natural da permissividade, do colapso de todos os valores, da anarquia desenfreada? Se não conseguirmos restaurar a ordem, seremos aniquilados”, destacando os que acham que tem a razão suprema e que suas ideias são superiores a todas as outras.
E por fim o anfitrião da festa no palácio que critica os bairros mais humildes como Soho e Islington, ressaltando Kensington, um bairro nobre de Londres. “Enquanto os mendigos se matarem, é melhor para nós!”
História publicada apenas na edição da Record, em 1991.
Depois de Zumbis, assassinos, lobisomens, Sclavi nos traz neste quarto volume de Dylan Dog uma história de fantasmas. Mas não é qualquer fantasma, é O Fantasma de Anna Never. Uma história densa, que vai além do normal, extrapola a realidade, trazendo o horror real que é a marca registrada das excelentes histórias do Investigador do Pesadelo.
A Confraria Bonelli está realizando matérias especiais sobre cada história que sairá no Omnibus de Dylan Dog publicado pela Editora Mythos. Com o intuito de aprofundá-las através das várias referências ao cinema e à cultura geral presentes na obra de Tiziano Sclavi.
Para cada matéria foi criado um cartaz de filme, do qual tem alguma relação com a história mencionada. Mas em “O Fantasma de Anna Never”, o cartaz do filme inspirado nada tem a ver com a trama, somente a participação da atriz, Jessica Lange, que inspira Corrado Roi a criar sua Anna Never.
Roi se inspirou em Jessica do filme “All That Jazz – O Show Deve Continuar” (1979). Eu usei o cartaz do filme “Frances” (1982), que tem uma aura mais fantasmagórica.
Dylan Dog – O Fantasma de Anna Never. Publicado originalmente em Dylan Dog – Il Fantasma di Anna Never em 1º de janeiro de 1987. Roteiro de Tiziano Sclavi, arte de Corrado Roi. Capa de Claudio Villa.
Álcool, solidão, loucura… a mente do ator Guy Rogers está lentamente se desintegrando. Delírios o assombram noite e dia, especialmente com aquele fantasma… o Fantasma de Anna Never! Dylan e Groucho buscam uma explicação racional para os sonhos de Guy, amigo de Dylan e ator de filmes B que faz um tratamento contra o alcoolismo e tabagismo, motivos que levam o detetive a questionar os tormentos de Rogers. Aos poucos realidade e fantasia começam a se confundir em algo mais obscuro.
Sclavi, para o quarto volume de Dylan Dog, usou como obra de referência o romance “Eu sou Helen Driscoll”, de Richard Matherson. Citado por Dylan na página 89. O Investigador pergunta a Guy Rogers: “Lembra daquele romance que te emprestei?”, “Aquele sobre hipnose e fantasmas?”, pergunta Guy.
Em “Eu sou Helen Driscoll” temos Tom, que vive tranquilamente na California com sua esposa Anne e seu filho, Richard. Uma noite, ele vai a uma festa com sua família, seus vizinhos e seu cunhado Phil. Este último, para animar a noite, afirma ser capaz de hipnotizar qualquer pessoa e depois fazê-la realizar atos que nunca faria enquanto estivesse acordado. O próprio Tom é escolhido como cobaia para o experimento de Phil.
Tom acorda e descobre que foi hipnotizado por Phil e fez algumas coisas ridículas. A noite termina e Tom fica envergonhado com o que pode ter feito sob hipnose. Mas naquela noite, enquanto tentava adormecer, Tom tem uma visão: há uma mulher transparente na sala. Quando tenta convencer os outros de que viu um fantasma, ninguém acredita. E para piorar, ele parece começar a antever alguns infortúnios que irão acontecer.
Ele descobre que após acordar da hipnose sua mente se transformou em um canal aberto para ondas telepáticas e que pode ler pensamentos e prever tragédias. Sua vida é perturbada por crises frequentes e quase todas as noites ele sente a presença do fantasma.
A fantasia do cinema
Como Guy é um ator, surgem várias referências cinematográficas. A cena em que Guy aparece em um castelo iluminado por raios ao fundo e uma carruagem conduzida por cavalos pretos, refere-se aos muitos filmes sobre vampiros. Como por exemplo, “The Fearless Vampire Killers” (A Dança dos Vampiros), de 1967, dirigido por Roman Polanski.
Cena de “The Fearless Vampire Killers”.
“Prever” os acontecimentos surge logo no início da história, quando Guy descobre que Anna Never não é apenas o fantasma que viu, ela é uma atriz que trabalhará com ele no filme “Terror and Horror”.
Pinewood Studios, onde Guy e Anna Never trabalham, são os famosos estúdios de produção cinematográfica localizados próximos a Londres. Inaugurados em 1936 e ainda em atividade, o estúdio já recebeu muitas produções importantes, britânicas e internacionais. Entre elas a franquia James Bond e Superman de Richard Donner.
Christopher Reeve no Pinewood Studios.
A cena da fachada da casa, caindo sobre Dylan o deixando ileso é uma famosa piada do cinema mudo, repetida à exaustão em muitos curtas de animação. Mas foi no filme Steamboat Bill Jr. (Marinheiro de Encomenda) (1918), dirigido por Charles Reisner e Buster Keaton, onde surgiu a cena, interpretada pelo próprio Keaton.
Ao sair dos estúdios, Groucho usa uma máscara do Yoda, de Star Wars. Por coincidência Anna Never foi publicado em 1987, e em 2012 todos os filmes de Star Wars começaram a ser filmados no Pinewood Studios.
Em seu escritório, Dylan ouve a música “Bye, Bye Life”, trilha sonora do filme musical, “All That Jazz – The Show Goes On”, de Bob Fosse.
Roi pode ter se inspirado para sua Anna Never nas feições da atriz Angélica, interpretada pela atriz Jessica Lange. Famosa por atuar em King Kong, de 1976 e mais recentemente na série American Horror Story.
Jessica Lange em All That Jazz.
No primeiro encontro com Guy, Anna confunde o ator com Roger Moore, ator britânico consagrado por sua interpretação em sete filmes da franquia James Bond.
Moedas e Morcegos
O encontro de Guy Rogers com o morcego lembra, O Retorno do Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller publicado em 1986. Mas pode ser uma simples coincidência.
O Retorno do Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller
A moeda que Dylan atira ao ar para decidir se vai ou não à caça aos fantasmas e que para em pé, oferece a possibilidade de múltiplas inspirações. A primeira é Harvey Dent, o Duas Caras, vilão do Batman que usa a moeda para tomar suas decisões a todo momento.
Mas o uso da moeda também se tornou famosa nos filmes de gângster, começando com Guido Rinaldo (George Raft) em Scarface (1932). Guido é o Gângster que fica jogando a moeda nesta cena:
No final do filme “Viajando com minha tia”, baseado no romance homônimo de Graham Green, Henry Pulling joga uma moeda para decidir seu destino, mas o filme encerra em um quadro congelado da moeda suspensa no ar.
Nas páginas seguintes Dylan cita o escritor britânico Charles Dickens, autor de Oliver Twist e Um Conto de Natal, a respeito de suas muitas descrições dos subúrbios degradados da Londres do século XIX. Dickens iniciou sua carreira como jornalista na Câmara dos Comuns do Parlamento Inglês e retratava como ninguém a Londres de sua época. Em sua crônica publicada em 17 de janeiro de 1836 ele comenta:
“Se quisermos conhecer as ruas de Londres em seu momento mais glorioso, devemos observá-las em uma escura, sombria e triste noite de inverno. Há apenas o sereno que cai suavemente e deixa as calçadas escorregadias sem, contudo, limpar qualquer uma de suas impurezas. É quando também uma névoa densa e preguiçosa paira sobre todos os objetos, tornando a luz das lamparinas ainda mais brilhantes e aumentando a luminosidade das vitrines, em contraste com a escuridão que a tudo rodeia”.
Em uma história de fantasmas, não poderia faltar citações aos Caça Fantasmas, de Ivan Reitman. Em Anna Never são citados duas vezes.
O gato preto é um caso especial
Pode-se falar muito sobre o gato preto que guia Dylan até Anna Never. Do ponto de vista espiritual, que é mais relacionado à esta história, o gato preto é frequentemente associado a um forte sentido de intuição, proteção e conexão com o mundo espiritual. Muitas tradições esotéricas acreditam que esses animais possuem uma energia mística especial e são capazes de afastar energias negativas.
No Antigo Egito, os gatos em geral, eram considerados sagrados e reverenciados como símbolos de poder e divindade. A deusa Bastet, conhecida como a protetora dos lares e das famílias, era frequentemente representada na forma de uma mulher com cabeça de gato. E os gatos pretos eram especialmente adorados por sua suposta conexão com o mundo espiritual.
Papa Gregório IX, por Thomas Hudson Jones (Capitólio, EUA).
Segundo historiadores, uma hipótese popular da imagem negativa do gato preto teria surgido com uma bula papal do Papa Gregório IX, em 1233. Nesta época, ocorria uma caça contra hereges em toda a Europa. Na Alemanha, um culto em particular causava problemas e, na tentativa de encorajar os nobres a apoiarem um padre local em sua perseguição, o pontífice descreveu rituais heréticos em detalhes.
Nesta bula, a Vox in Rama, é descrito um suposto ritual de iniciação de uma seita luciferiana que teria sido relatada por um inquisidor. Nele, apareceria uma estátua de um gato preto que deveria ser beijada nas nádegas. A partir daí, a imagem do gato preto teria sido demonizada na Europa e esta má fama se espalharia por todo o ocidente.
O preconceito contra os gatos pretos é tão absurdo que eles demoram a serem adotados em ONGs e abrigos. Segundo dados da ONG brasileira Catland, especializada no resgate e adoção de gatos, de 300 animais que estão à espera de um lar, cerca de 60% têm o pelo na cor escura. Além disso, em datas próximas às sextas-feiras 13 e ao Dia das Bruxas, as instituições evitam doá-los, devido ao perigo de agressões e maus-tratos.
Em Dylan Dog #18, publicado no Brasil em Dylan Dog #2 (formatinho da Mythos), Sclavi insere Cagliostro na mitologia do personagem. Um gato preto mágico e poderoso pertencente à bruxa Kim. Apesar de afável, é provavelmente o mago mais poderoso que existe, com habilidades que podem distorcer a realidade e aversão geral a qualquer ser humano que não seja seu dono. Ele não gosta particularmente de Dylan, provavelmente por ciúmes de Kim.
O Bicho Papão ou Homem Negro
Na página 51, quando Dylan encontra Anna Never, ela assustada grita: “O Homem Negro”. Que é como os italianos chamam o Bicho Papão. Personagem que aparece em outras histórias de Dylan, como a recente Dylan Dog Nova Série – O Branco e o Preto, publicada pela Mythos. O Homem Negro não seria uma tradução ideal para que os brasileiros entendam logo que leem. Foi assim que foi traduzido na edição da Record de Anna Never em 1991, mas seria melhor que ela já falasse “O Bicho Papão!”.
Anna em O último homem da Terra.
Anna Never retorna em vários outros volumes de Dylan Dog. “O último homem da Terra”, #77, publicado no Brasil pela Mythos em Dylan Dog #35. Stardust #147 e no Speciale #19, La Peste. Ela também é mencionada em um pôster de filme na edição #55 – A Múmia, publicada no Brasil em Dylan Dog #9, pela Mythos
O Horror real
O Fantasma de Anna Never expressa o principal fundamento de Dylan Dog: o maior horror está na própria realidade. O ator, Guy Rogers é alcoólatra e para superar o vício faz terapia com hipnose. Em inglês, “spirits” (espíritos) também significa “bebidas alcoólicas fortes”. É um assunto que Sclavi trata em seu retorno após um hiato, na história “Depois de um longo silêncio” (Dylan Dog Nova série #23), onde um homem, alcoólatra começa a enxergar o fantasma de sua falecida esposa. Além de ser um problema que o próprio Sclavi teve que lidar por anos.
Sclavi usou fotos de casos de avistagens de fantasmas reais na história, Depois de um longo silêncio.
Guy é um intermediário em três sentidos: como ator, entre a realidade e seus filmes; como alcoólatra entre a racionalidade do estado de sobriedade e a embriaguez; e como paciente do hipnotizador, entre o estado de consciência e os sonhos ou pesadelos. Na sequência final, tudo acaba se fundindo em um único horror. Sclavi mistura a falsa realidade do cinema, a realidade falsa da mente provocada pelo alcoolismo e a verdadeira realidade onde nada mais fazia sentindo provocando insegurança não só em Guy, mas em todos os envolvidos.
A realidade é por vezes mais assustadora que a fantasia. Como disse Dylan: “O mundo está tão cheio de horrores que até vampiros e monstros se escondem de medo…”, e Groucho comenta, “É verdade, não tinha pensado nisso… aliás, se eu fosse um monstro, ficaria bastante preocupado, por exemplo, que as armas nucleares das grandes potências sejam suficientes para destruir a Terra vinte vezes”.
História publicada somente em Dylan Dog #3 da Editora Record, em 1991.
Chegamos à terceira história de seis, que sairão no Omnibus de Dylan Dog publicado pela Mythos. A Confraria Bonelli está realizando matérias especiais sobre cada história para aprofundá-las através das várias referências ao cinema e à cultura em geral presentes na obra de Tiziano Sclavi.
Para cada matéria foi criado um Cartaz de filme, do qual tem alguma relação com a história mencionada. Em “As Noites da Lua Cheia”, o cartaz foi inspirado no filme “Um Lobisomem Americano em Londres” (1981), um dos preferidos de Dylan Dog, do qual ele já assistiu 14 vezes.
Como mostrado em Dylan Dog #1 – O Despertar dos Mortos Vivos.
Dylan Dog – As Noites de Lua Cheia. Publicado originalmente em Dylan Dog – Le Notti Della Luna Piena em 1º de dezembro de 1986. Roteiro de Tiziano Sclavi, arte de Giuseppe Montanari e Ernesto Grassani. Capa de Claudio Villa.
Na capa, Villa não coloriu de vermelho a camisa de Dylan. Poucas vezes isso se repetiu em toda a série.
Destaque especial nesta edição é a estreia da dupla de quadrinistas Montanari & Grassani, ativos em Dylan Dog até o falecimento de Montanari em agosto de 2023. Uma grande perda para o quadrinho italiano e especialmente para os quadrinhos de Dylan Dog. “Sclavi e também outros roteiristas, pediam aos desenhistas coisas que beiravam o impossível. Por exemplo: um personagem é engolido pelo seu próprio quarto. Você pode escrever, mas o que significa graficamente? Montanari & Grassani conseguiam desenhar essas coisas impossíveis, graças ao estilo essencial e não realista”, destacou Gianfranco Manfredi no livro Making Of Dylan Dog (2007).
Em “As Noites de Lua Cheia” acompanhamos Dylan e Groucho investigando desaparecimentos misteriosos, lendas, testemunhos de aldeões aterrorizados. Na Floresta Negra, uivos distantes e mandíbulas bestiais atacam as presas. No internato feminino das irmãs Blucher, algo estranho está acontecendo e desconfia-se que seja culpa de Lobisomens! Dylan segue o rastro de uma garota desaparecida e, nas sombras da floresta, uma poderosa bruxaria o aguarda…
Poderia ser pior…
Marty Feldman como Igor.
No início da história, após uma transição nos quadros para os faróis do Fusca branco de Dylan, placas DYD 666, Dylan e Groucho estão na Floresta Negra, na Alemanha. Groucho deveria ter as feições do ator Marty Feldman, quando interpretou Igor no filme “O Jovem Frankenstein” (1974), de Mel Brooks. Claudio Villa, idealizador gráfico de Dylan Dog, após apresentar o estudo dos personagens para Tiziano Sclavi e Decio Canzio, teve que redesenhar tudo e substituir pela figura de Groucho Marx.
Estudos de personagem de Claudio Villa. À esquerda Groucho/Feldman. À direita Dylan…
Montanari & Grassani usaram fielmente a imagem de Dylan criada por Villa. “Fomos quase os únicos a usar como referência. Depois, com o tempo, encontramos a nossa própria versão, que é a que usamos até hoje”, destacam em entrevista na Edição Especial desta história publicada na Coleção: O Dylan Dog de Tiziano Sclavi.
Na página 15, quando Dylan pega a arma rapidamente para atirar no Lobisomem, é uma cena quase em câmera lenta. “O que me colocou em dificuldades foram os três quadrinhos para desempenhar uma ação. No início da série apareciam com frequência, para mostrar uma ação precisa”, ressalta Grassani. É uma das páginas menos convencionais da história.
A sequência profética de Groucho, logo após Dylan matar o lobo no início da história, remete ao famoso diálogo entre Gene Wilder e Marty Feldman no filme Frankenstein Júnior. Durante a cena da profanação da tumba, Dr. Frankenstein diz: “Que trabalho nojento”, “Poderia ser pior”, responde Igor. “Como?”, Pergunta o Doutor, “Poderia chover”, disse Igor, semelhante a Groucho, quando diz que um raio poderia cair sobre eles.
Os brasileiros nem percebem, mas os italianos nunca perdoaram. Dylan dirige o Fusca do lado errado! O motorista deveria estar à direita, como regem as normas de trânsito do Reino Unido.
Outra referência ao filme de Mel Brooks é a diretora do Colégio Feminino, Helga Blucher, assim como Frau Blucher, assistente do Barão Frankenstein. Além disso, o colégio feminino remete à escola de dança de Suspiria (1940), de Dario Argento, mostrado na sequência de abertura da história e que serve a Sclavi como cenário para a trama.
Em Suspiria de Argento, uma estudante americana de balé chega à conceituada academia alemã que a aceitara para iniciar seus estudos, mas logo se dá conta de que a escola é uma fachada para um mundo de assassinatos e bruxaria.
Suspiria, 1977.
Cloris Leachman como Frau Blucher em O Jovem Frankenstein.
Lobisomens Americanos e Stephen King
“As Noites de Lua Cheia” é inspirado em vários filmes e romances pertencentes ao gênero de terror com Lobisomens, ou licantrópico. Cronologicamente, o mais próximo do lançamento da edição é “A Hora do Lobisomem” (1985), baseado no romance homônimo de Stephen King, Cycle of the Werewolf.
Nesta obra de King, na pequena cidade de Tarker’s Mill, que sempre foi um lugar pacato até que terríveis e violentos assassinatos começaram a acontecer. Os habitantes locais acreditavam que o responsável pelas mortes seja um psicopata à solta. Porém, um garoto de 11 anos chamado Marty (Corey Haim) acreditava que os assassinatos não estavam sendo causados por uma pessoa, mas sim por um lobisomem. Com a ajuda de sua irmã, Jane (Megan Follows), o jovem consegue escapar e decide ir atrás do monstro.
O filme do francês Éric Rohmer tem o mesmo título que a história brasileira, “Noites de Lua Cheia” (1984), e o título original é “Les nuits de la pleine lune”, mas nada tem a ver com Lobisomens.
Aproveitando, na mitologia grega, existe a história do rei Licaão da Arcádia, que fez Zeus comer as vísceras cozidas do próprio filho. Para puni-lo, o deus o transformou num lobisomem. É dele que vem o termo “licantropia” (a habilidade mágica de se transformar nessa criatura).
Já “Um Lobisomem Americano em Londres” e “Gritos de Horror” (The Howlling), ambos de 1981 tem várias referências na história de Sclavi. São obras que relançaram a figura do Lobisomem no imaginário popular. Na história, a transformação do lobo inspira-se na de Um Lobisomem Americano em Londres, com a sequência desenhada quadro a quadro buscando reproduzir em tempo real, como foi feito no filme. De Gritos de Horror, Sclavi pode ter tirado a ideia do clã dos homens-lobos.
Em Lobisomem Americano em Londres, filme de John Landis, somos apresentados aos amigos David Kessler e Jack Goodman que viajam dos Estados Unidos para conhecer a Inglaterra. Chegando em uma pequena cidade, eles vão ao bar e são friamente recepcionados. A situação piora quando Jack pergunta o porquê do local ter velas e um pentágono na parede. Ao saírem, eles caminham por uma estrada deserta e percebem que um animal está os cercando. Jack é atacado e tem seu corpo dilacerado, enquanto David fica apenas com cortes no rosto e nos ombros, o suficiente para transformá-lo em um lobisomem.
O clássico, “O Homem Lobo” (1941), com atuação magistral de Lon Chaney Jr., estão espalhadas por toda a história. O filme e o próprio Lon são citados por Rudy, dono da pousada na página 41. Além disso, algumas imagens dos lobos presentes na história, parecem inspiradas em Gmorg, o lobo negro que persegue Atreyu em “A História sem Fim” (1984).
Lon Chenney em O Homem Lobo.
Gmorg de A História sem Fim.
Coadjuvantes especiais
Otto, o garoto com deficiência intelectual que trabalha no internato, lembra muitos assistentes de médicos malucos ou monstros dos clássicos filmes de terror. Mas Otto pode ser considerado o protótipo de Gnaghi, companheiro de Francesco Dellamorte no romance de Sclavi “Dellamorte, Dellamore” de 1991 e do filme de Michele Soavi de 1994.
Gnaghi em Dellamorte, Dellamore
Os personagens coadjuvantes de “As Noites da Lua Cheia” são inspirados em filmes, ou grandes personalidades como o Inspetor Durrenmatt, que investiga em paralelo junto a Dylan. Seu nome é uma referência ao escritor suíço Friedrich Dürrenmatt (1921-1990), que renova o gênero policial ao escrever, A Promessa, que leva o subtítulo Réquiem para um romance policial.
Inspetor Durrenmatt.
O nome da menina desaparecida é Mary Ann Price, uma homenagem ao ator americano Vincent Price. Protagonista de muitos filmes de terror, especialmente em sua última interpretação, a do criador de Edward em “Edward Mãos de Tesoura”, de Tim Burton.
Mas você deve se lembrar dele quando interpretou a voz satânica no final da música “Thriller”, de Michael Jackson.
Nazistas não por acaso
Tal como acontece no primeiro volume de Dylan Dog, onde a narrativa central dos acontecimentos acontece em Undead (Morto Vivo), no volume três a história acontece na vila de Wolfburg, em alemão “Castelo dos Lobos”. É bem provável que além dessa brincadeira com o nome, Sclavi a tenha nomeado assim, semelhante à cidade de Wolfsburgo, cidade onde nasceu a Volkswagem no tempo dos nazistas (1937). E até por isso a maior participação do Fusca de Dylan na história.
Outro fato é o dono da pousada, Rudy (que em alemão devia-se escrever Rudi), com um bigode hitlerista ele odeia estrangeiros. Mas não estrangeiros como Dylan, que como diz ele, “é um estrangeiro da “Anglaterra””, mas sim dos estrangeiros que vivem na floresta. “chamamos de estrangeiros os que vem da floresta de vez em quando… homens nunca visto antes, nascidos do nada… nus ou vestidos em farrapos… e eles são maus!”, ressalta Rudy. Não é preciso ir longe pra notar que trata-se de racismo contra imigrantes de países de terceiro mundo, ciganos, etc…
Na página 46, Alexandra, uma garota do internato que ajuda Dylan menciona o Barba Azul, protagonista homônimo do conto de fadas escrito por Charles Perrault, que apareceu pela primeira vez na coleção “Contos da Mamãe Ganso”, de 1697. Em O Barba Azul, um conde muito feio casava e matava suas esposas em seu castelo. Após casar com a filha caçula de um de seus vizinhos, ela descobre o segredo do conde e é salva por seus irmãos.
Dança com Lobos
Imagem da menina Kamala.
A sequência final, que mostra uma criança criada por lobos refere-se primeiramente a Mogli, do clássico “O Livro da Selva” de Rudyard Kipling, imortalizado na animação de Walt Disney, “Mogli – O Menino Lobo” (1967). E também inspirado em casos de crianças criadas por animais, o mais famoso talvez seja das meninas da Índia Amala e Kamala. Também conhecidas como as meninas lobo, foram encontradas em 1920. A primeira delas tinha um ano e meio, vindo a falecer um ano mais tarde. Kamala, no entanto, já tinha oito anos e viveu até 1929. Elas agiam como filhotes de lobo, de forma incomum.
Cena do filme Among Wolves, de 2010, que conta a história de Marcos.
Cronologicamente, a história mais próxima do ano da publicação da história de Sclavi é a do espanhol Marcos Rodríguez Pantoja, que quando criança viveu, entre as décadas de 1950 e 1960, em completo isolamento nas montanhas da Serra Morena, na Espanha. Seu pai o vendeu como escravo para um pastor eremita, que quando veio a morrer, deixou a criança sozinha com apenas sete anos. Marcos fez de tudo para sobreviver nos arredores de Serra Morena, onde seguiu para as montanhas onde bebia leite de cabra, comia raízes e passava a maior parte do tempo com uma matilha de lobos.
Outro final Explosivo!
O final desta história é incrível. A bruxa terrível conta seu plano antinatural, (SPOILER) onde as irmãs Blucher fazem com que as meninas do internato acasalem com as criaturas meio homem e meio lobo para gerar uma nova e poderosa raça híbrida. O que seria uma história clássica de terror de lobisomem, na realidade é uma ferramenta que Sclavi utiliza para conduzir a sua batalha pessoal contra a violência contra os animais e os experimentos em seres vivos.
As irmãs Blucher são um símbolo do desejo do homem de se esforçar para além dos limites impostos pela razão. Querer substituir Deus e submeter a natureza aos seus próprios interesses. Dizer NÃO aos experimentos com animais era muito à frente de seu tempo e ainda hoje luta-se contra isso.
Dylan e Sclavi em proteção aos animais
Sclavi (à direita) com o cardiologista veterinário Roberto Santilli que salvou seu cão e o apoia na Fundação Otto.
Sclavi mora na província de Varese, com sua esposa, sete cachorros e dois gatos. Ele criou a Fundação Otto, para oferecer tratamento gratuito para cães e gatos portadores de doenças cardiopulmonares. A fundação leva o nome de seu cão da raça dachshund, Otto, salvo de uma pneumonia gravíssima graças a uma terapia baseada em uma medicação com ventilação assistida. Uma terapia muito cara e pouco difundida. “Minha esposa e eu nos dedicamos há anos e agora quase exclusivamente ao cuidado e proteção dos animais”, disse Sclavi.
Dylan Dog participa há anos de muitas campanhas em prol da defesa dos animais. Especialmente no verão, quando as pessoas vão para a praia e abandonam seus animais.
Ilustração de Nicola Mari.
Ilustração de Paolo Bacilieri.
Depois de seis anos, auxiliado pela primeira vez por Mauro Marcheselli, Sclavi escreveu a sequência dessa história, com desenhos de Montanari & Grassani. Ela foi publicada originalmente no volume 72 e no Brasil publicado pela Mythos em Dylan Dog #31 – A última lua cheia.
Em Dylan Dog o terror é somente a camada superficial. Sclavi, um gênio, coloca tantas camadas que a cada vez que fuçamos conseguimos achar mais coisas. Somente nesta terceira história ele já nos traz licantropia, bruxaria, nazismo, preconceito, ciência, além de cinema, cultura alemã, exploração de meninas, maus tratos contra animais, etc… E principalmente, a cereja do bolo de Dylan Dog: o horror verdadeiro que é provocado pelos próprios seres humanos.
Acesse os artigos anteriores clicando nas imagens: