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Dylan Dog Omnibus: O Fantasma de Anna Never

História publicada apenas na edição da Record, em 1991.

Depois de Zumbis, assassinos, lobisomens, Sclavi nos traz neste quarto volume de Dylan Dog uma história de fantasmas. Mas não é qualquer fantasma, é O Fantasma de Anna Never. Uma história densa, que vai além do normal, extrapola a realidade, trazendo o horror real que é a marca registrada das excelentes histórias do Investigador do Pesadelo.

A Confraria Bonelli está realizando matérias especiais sobre cada história que sairá no Omnibus de Dylan Dog publicado pela Editora Mythos. Com o intuito de aprofundá-las através das várias referências ao cinema e à cultura geral presentes na obra de Tiziano Sclavi.

Para cada matéria foi criado um cartaz de filme, do qual tem alguma relação com a história mencionada. Mas em “O Fantasma de Anna Never”, o cartaz do filme inspirado nada tem a ver com a trama, somente a participação da atriz, Jessica Lange, que inspira Corrado Roi a criar sua Anna Never.

Roi se inspirou em Jessica do filme “All That Jazz – O Show Deve Continuar” (1979). Eu usei o cartaz do filme “Frances” (1982), que tem uma aura mais fantasmagórica.

 

Dylan Dog – O Fantasma de Anna Never. Publicado originalmente em Dylan Dog – Il Fantasma di Anna Never em 1º de janeiro de 1987. Roteiro de Tiziano Sclavi, arte de Corrado Roi. Capa de Claudio Villa.

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Álcool, solidão, loucura… a mente do ator Guy Rogers está lentamente se desintegrando. Delírios o assombram noite e dia, especialmente com aquele fantasma… o Fantasma de Anna Never! Dylan e Groucho buscam uma explicação racional para os sonhos de Guy, amigo de Dylan e ator de filmes B que faz um tratamento contra o alcoolismo e tabagismo, motivos que levam o detetive a questionar os tormentos de Rogers. Aos poucos realidade e fantasia começam a se confundir em algo mais obscuro.

Sclavi, para o quarto volume de Dylan Dog, usou como obra de referência o romance “Eu sou Helen Driscoll”, de Richard Matherson. Citado por Dylan na página 89. O Investigador pergunta a Guy Rogers: “Lembra daquele romance que te emprestei?”, “Aquele sobre hipnose e fantasmas?”, pergunta Guy.

Em “Eu sou Helen Driscoll” temos Tom, que vive tranquilamente na California com sua esposa Anne e seu filho, Richard. Uma noite, ele vai a uma festa com sua família, seus vizinhos e seu cunhado Phil. Este último, para animar a noite, afirma ser capaz de hipnotizar qualquer pessoa e depois fazê-la realizar atos que nunca faria enquanto estivesse acordado. O próprio Tom é escolhido como cobaia para o experimento de Phil.

Tom acorda e descobre que foi hipnotizado por Phil e fez algumas coisas ridículas. A noite termina e Tom fica envergonhado com o que pode ter feito sob hipnose. Mas naquela noite, enquanto tentava adormecer, Tom tem uma visão: há uma mulher transparente na sala. Quando tenta convencer os outros de que viu um fantasma, ninguém acredita. E para piorar, ele parece começar a antever alguns infortúnios que irão acontecer.

Ele descobre que após acordar da hipnose sua mente se transformou em um canal aberto para ondas telepáticas e que pode ler pensamentos e prever tragédias. Sua vida é perturbada por crises frequentes e quase todas as noites ele sente a presença do fantasma.

A fantasia do cinema

Como Guy é um ator, surgem várias referências cinematográficas. A cena em que Guy aparece em um castelo iluminado por raios ao fundo e uma carruagem conduzida por cavalos pretos, refere-se aos muitos filmes sobre vampiros. Como por exemplo, “The Fearless Vampire Killers” (A Dança dos Vampiros), de 1967, dirigido por Roman Polanski.

Cena de “The Fearless Vampire Killers”.

“Prever” os acontecimentos surge logo no início da história, quando Guy descobre que Anna Never não é apenas o fantasma que viu, ela é uma atriz que trabalhará com ele no filme “Terror and Horror”.

Pinewood Studios, onde Guy e Anna Never trabalham, são os famosos estúdios de produção cinematográfica localizados próximos a Londres. Inaugurados em 1936 e ainda em atividade, o estúdio já recebeu muitas produções importantes, britânicas e internacionais. Entre elas a franquia James Bond e Superman de Richard Donner.

Christopher Reeve no Pinewood Studios.

A cena da fachada da casa, caindo sobre Dylan o deixando ileso é uma famosa piada do cinema mudo, repetida à exaustão em muitos curtas de animação. Mas foi no filme Steamboat Bill Jr. (Marinheiro de Encomenda) (1918), dirigido por Charles Reisner e Buster Keaton, onde surgiu a cena, interpretada pelo próprio Keaton.

Ao sair dos estúdios, Groucho usa uma máscara do Yoda, de Star Wars. Por coincidência Anna Never foi publicado em 1987, e em 2012 todos os filmes de Star Wars começaram a ser filmados no Pinewood Studios.

Em seu escritório, Dylan ouve a música “Bye, Bye Life”, trilha sonora do filme musical, “All That Jazz – The Show Goes On”, de Bob Fosse.

Roi pode ter se inspirado para sua Anna Never nas feições da atriz Angélica, interpretada pela atriz Jessica Lange. Famosa por atuar em King Kong, de 1976 e mais recentemente na série American Horror Story.

Jessica Lange em All That Jazz.

No primeiro encontro com Guy, Anna confunde o ator com Roger Moore, ator britânico consagrado por sua interpretação em sete filmes da franquia James Bond.

Moedas e Morcegos

O encontro de Guy Rogers com o morcego lembra, O Retorno do Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller publicado em 1986. Mas pode ser uma simples coincidência.

O Retorno do Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller

A moeda que Dylan atira ao ar para decidir se vai ou não à caça aos fantasmas e que para em pé, oferece a possibilidade de múltiplas inspirações. A primeira é Harvey Dent, o Duas Caras, vilão do Batman que usa a moeda para tomar suas decisões a todo momento.

Mas o uso da moeda também se tornou famosa nos filmes de gângster, começando com Guido Rinaldo (George Raft) em Scarface (1932). Guido é o Gângster que fica jogando a moeda nesta cena:

No final do filme “Viajando com minha tia”, baseado no romance homônimo de Graham Green, Henry Pulling joga uma moeda para decidir seu destino, mas o filme encerra em um quadro congelado da moeda suspensa no ar.

Nas páginas seguintes Dylan cita o escritor britânico Charles Dickens, autor de Oliver Twist e Um Conto de Natal, a respeito de suas muitas descrições dos subúrbios degradados da Londres do século XIX. Dickens iniciou sua carreira como jornalista na Câmara dos Comuns do Parlamento Inglês e retratava como ninguém a Londres de sua época. Em sua crônica publicada em 17 de janeiro de 1836 ele comenta:

Se quisermos conhecer as ruas de Londres em seu momento mais glorioso, devemos observá-las em uma escura, sombria e triste noite de inverno. Há apenas o sereno que cai suavemente e deixa as calçadas escorregadias sem, contudo, limpar qualquer uma de suas impurezas. É quando também uma névoa densa e preguiçosa paira sobre todos os objetos, tornando a luz das lamparinas ainda mais brilhantes e aumentando a luminosidade das vitrines, em contraste com a escuridão que a tudo rodeia”.

Em uma história de fantasmas, não poderia faltar citações aos Caça Fantasmas, de Ivan Reitman. Em Anna Never são citados duas vezes.

O gato preto é um caso especial

Pode-se falar muito sobre o gato preto que guia Dylan até Anna Never. Do ponto de vista espiritual, que é mais relacionado à esta história, o gato preto é frequentemente associado a um forte sentido de intuição, proteção e conexão com o mundo espiritual. Muitas tradições esotéricas acreditam que esses animais possuem uma energia mística especial e são capazes de afastar energias negativas.

No Antigo Egito, os gatos em geral, eram considerados sagrados e reverenciados como símbolos de poder e divindade. A deusa Bastet, conhecida como a protetora dos lares e das famílias, era frequentemente representada na forma de uma mulher com cabeça de gato. E os gatos pretos eram especialmente adorados por sua suposta conexão com o mundo espiritual.

Papa Gregório IX, por Thomas Hudson Jones (Capitólio, EUA).

Segundo historiadores, uma hipótese popular da imagem negativa do gato preto teria surgido com uma bula papal do Papa Gregório IX, em 1233. Nesta época, ocorria uma caça contra hereges em toda a Europa. Na Alemanha, um culto em particular causava problemas e, na tentativa de encorajar os nobres a apoiarem um padre local em sua perseguição, o pontífice descreveu rituais heréticos em detalhes.

Nesta bula, a Vox in Rama, é descrito um suposto ritual de iniciação de uma seita luciferiana que teria sido relatada por um inquisidor. Nele, apareceria uma estátua de um gato preto que deveria ser beijada nas nádegas. A partir daí, a imagem do gato preto teria sido demonizada na Europa e esta má fama se espalharia por todo o ocidente.

O preconceito contra os gatos pretos é tão absurdo que eles demoram a serem adotados em ONGs e abrigos. Segundo dados da ONG brasileira Catland, especializada no resgate e adoção de gatos, de 300 animais que estão à espera de um lar, cerca de 60% têm o pelo na cor escura. Além disso, em datas próximas às sextas-feiras 13 e ao Dia das Bruxas, as instituições evitam doá-los, devido ao perigo de agressões e maus-tratos.

Em Dylan Dog #18, publicado no Brasil em Dylan Dog #2 (formatinho da Mythos), Sclavi insere Cagliostro na mitologia do personagem. Um gato preto mágico e poderoso pertencente à bruxa Kim. Apesar de afável, é provavelmente o mago mais poderoso que existe, com habilidades que podem distorcer a realidade e aversão geral a qualquer ser humano que não seja seu dono. Ele não gosta particularmente de Dylan, provavelmente por ciúmes de Kim.

O Bicho Papão ou Homem Negro

Na página 51, quando Dylan encontra Anna Never, ela assustada grita: “O Homem Negro”. Que é como os italianos chamam o Bicho Papão. Personagem que aparece em outras histórias de Dylan, como a recente Dylan Dog Nova Série – O Branco e o Preto, publicada pela Mythos. O Homem Negro não seria uma tradução ideal para que os brasileiros entendam logo que leem. Foi assim que foi traduzido na edição da Record de Anna Never em 1991, mas seria melhor que ela já falasse “O Bicho Papão!”.

Anna em O último homem da Terra.

Anna Never retorna em vários outros volumes de Dylan Dog. “O último homem da Terra”, #77, publicado no Brasil pela Mythos em Dylan Dog #35. Stardust #147 e no Speciale #19, La Peste. Ela também é mencionada em um pôster de filme na edição #55 – A Múmia, publicada no Brasil em Dylan Dog #9, pela Mythos

O Horror real

O Fantasma de Anna Never expressa o principal fundamento de Dylan Dog: o maior horror está na própria realidade. O ator, Guy Rogers é alcoólatra e para superar o vício faz terapia com hipnose. Em inglês, “spirits” (espíritos) também significa “bebidas alcoólicas fortes”. É um assunto que Sclavi trata em seu retorno após um hiato, na história “Depois de um longo silêncio” (Dylan Dog Nova série #23), onde um homem, alcoólatra começa a enxergar o fantasma de sua falecida esposa. Além de ser um problema que o próprio Sclavi teve que lidar por anos.

Sclavi usou fotos de casos de avistagens de fantasmas reais na história, Depois de um longo silêncio.

Guy é um intermediário em três sentidos: como ator, entre a realidade e seus filmes; como alcoólatra entre a racionalidade do estado de sobriedade e a embriaguez; e como paciente do hipnotizador, entre o estado de consciência e os sonhos ou pesadelos. Na sequência final, tudo acaba se fundindo em um único horror. Sclavi mistura a falsa realidade do cinema, a realidade falsa da mente provocada pelo alcoolismo e a verdadeira realidade onde nada mais fazia sentindo provocando insegurança não só em Guy, mas em todos os envolvidos.

A realidade é por vezes mais assustadora que a fantasia. Como disse Dylan: “O mundo está tão cheio de horrores que até vampiros e monstros se escondem de medo…”, e Groucho comenta, “É verdade, não tinha pensado nisso… aliás, se eu fosse um monstro, ficaria bastante preocupado, por exemplo, que as armas nucleares das grandes potências sejam suficientes para destruir a Terra vinte vezes”.

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Dylan Dog Omnibus – As Noites da Lua Cheia

História publicada somente em Dylan Dog #3 da Editora Record, em 1991.

Chegamos à terceira história de seis, que sairão no Omnibus de Dylan Dog publicado pela Mythos. A Confraria Bonelli está realizando matérias especiais sobre cada história para aprofundá-las através das várias referências ao cinema e à cultura em geral presentes na obra de Tiziano Sclavi.

Para cada matéria foi criado um Cartaz de filme, do qual tem alguma relação com a história mencionada. Em “As Noites da Lua Cheia”, o cartaz foi inspirado no filme “Um Lobisomem Americano em Londres” (1981), um dos preferidos de Dylan Dog, do qual ele já assistiu 14 vezes.

Como mostrado em Dylan Dog #1 – O Despertar dos Mortos Vivos.

Dylan Dog – As Noites de Lua Cheia. Publicado originalmente em Dylan Dog – Le Notti Della Luna Piena em 1º de dezembro de 1986. Roteiro de Tiziano Sclavi, arte de Giuseppe Montanari e Ernesto Grassani. Capa de Claudio Villa.

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Na capa, Villa não coloriu de vermelho a camisa de Dylan. Poucas vezes isso se repetiu em toda a série.

Destaque especial nesta edição é a estreia da dupla de quadrinistas Montanari & Grassani, ativos em Dylan Dog até o falecimento de Montanari em agosto de 2023. Uma grande perda para o quadrinho italiano e especialmente para os quadrinhos de Dylan Dog. “Sclavi e também outros roteiristas, pediam aos desenhistas coisas que beiravam o impossível. Por exemplo: um personagem é engolido pelo seu próprio quarto. Você pode escrever, mas o que significa graficamente? Montanari & Grassani conseguiam desenhar essas coisas impossíveis, graças ao estilo essencial e não realista”, destacou Gianfranco Manfredi no livro Making Of Dylan Dog (2007).

Em “As Noites de Lua Cheia” acompanhamos Dylan e Groucho investigando desaparecimentos misteriosos, lendas, testemunhos de aldeões aterrorizados. Na Floresta Negra, uivos distantes e mandíbulas bestiais atacam as presas. No internato feminino das irmãs Blucher, algo estranho está acontecendo e desconfia-se que seja culpa de Lobisomens! Dylan segue o rastro de uma garota desaparecida e, nas sombras da floresta, uma poderosa bruxaria o aguarda…

Poderia ser pior…

Marty Feldman como Igor.

No início da história, após uma transição nos quadros para os faróis do Fusca branco de Dylan, placas DYD 666, Dylan e Groucho estão na Floresta Negra, na Alemanha. Groucho deveria ter as feições do ator Marty Feldman, quando interpretou Igor no filme “O Jovem Frankenstein” (1974), de Mel Brooks. Claudio Villa, idealizador gráfico de Dylan Dog, após apresentar o estudo dos personagens para Tiziano Sclavi e Decio Canzio, teve que redesenhar tudo e substituir pela figura de Groucho Marx.

Estudos de personagem de Claudio Villa. À esquerda Groucho/Feldman. À direita Dylan…

Montanari & Grassani usaram fielmente a imagem de Dylan criada por Villa. “Fomos quase os únicos a usar como referência. Depois, com o tempo, encontramos a nossa própria versão, que é a que usamos até hoje”, destacam em entrevista na Edição Especial desta história publicada na Coleção: O Dylan Dog de Tiziano Sclavi.

Na página 15, quando Dylan pega a arma rapidamente para atirar no Lobisomem, é uma cena quase em câmera lenta. “O que me colocou em dificuldades foram os três quadrinhos para desempenhar uma ação. No início da série apareciam com frequência, para mostrar uma ação precisa”, ressalta Grassani. É uma das páginas menos convencionais da história.

A sequência profética de Groucho, logo após Dylan matar o lobo no início da história, remete ao famoso diálogo entre Gene Wilder e Marty Feldman no filme Frankenstein Júnior. Durante a cena da profanação da tumba, Dr. Frankenstein diz: “Que trabalho nojento”, “Poderia ser pior”, responde Igor. “Como?”, Pergunta o Doutor, “Poderia chover”, disse Igor, semelhante a Groucho, quando diz que um raio poderia cair sobre eles.

Os brasileiros nem percebem, mas os italianos nunca perdoaram. Dylan dirige o Fusca do lado errado! O motorista deveria estar à direita, como regem as normas de trânsito do Reino Unido.

Outra referência ao filme de Mel Brooks é a diretora do Colégio Feminino, Helga Blucher, assim como Frau Blucher, assistente do Barão Frankenstein. Além disso, o colégio feminino remete à escola de dança de Suspiria (1940), de Dario Argento, mostrado na sequência de abertura da história e que serve a Sclavi como cenário para a trama.

Em Suspiria de Argento, uma estudante americana de balé chega à conceituada academia alemã que a aceitara para iniciar seus estudos, mas logo se dá conta de que a escola é uma fachada para um mundo de assassinatos e bruxaria.

Suspiria, 1977.

Cloris Leachman como Frau Blucher em O Jovem Frankenstein.

Lobisomens Americanos e Stephen King

As Noites de Lua Cheia” é inspirado em vários filmes e romances pertencentes ao gênero de terror com Lobisomens, ou licantrópico. Cronologicamente, o mais próximo do lançamento da edição é “A Hora do Lobisomem” (1985), baseado no romance homônimo de Stephen King, Cycle of the Werewolf.

Nesta obra de King, na pequena cidade de Tarker’s Mill, que sempre foi um lugar pacato até que terríveis e violentos assassinatos começaram a acontecer. Os habitantes locais acreditavam que o responsável pelas mortes seja um psicopata à solta. Porém, um garoto de 11 anos chamado Marty (Corey Haim) acreditava que os assassinatos não estavam sendo causados por uma pessoa, mas sim por um lobisomem. Com a ajuda de sua irmã, Jane (Megan Follows), o jovem consegue escapar e decide ir atrás do monstro.

O filme do francês Éric Rohmer tem o mesmo título que a história brasileira, “Noites de Lua Cheia” (1984), e o título original é “Les nuits de la pleine lune”, mas nada tem a ver com Lobisomens.

Aproveitando, na mitologia grega, existe a história do rei Licaão da Arcádia, que fez Zeus comer as vísceras cozidas do próprio filho. Para puni-lo, o deus o transformou num lobisomem. É dele que vem o termo “licantropia” (a habilidade mágica de se transformar nessa criatura).

Já “Um Lobisomem Americano em Londres” e “Gritos de Horror” (The Howlling), ambos de 1981 tem várias referências na história de Sclavi. São obras que relançaram a figura do Lobisomem no imaginário popular. Na história, a transformação do lobo inspira-se na de Um Lobisomem Americano em Londres, com a sequência desenhada quadro a quadro buscando reproduzir em tempo real, como foi feito no filme. De Gritos de Horror, Sclavi pode ter tirado a ideia do clã dos homens-lobos.

Em Lobisomem Americano em Londres, filme de John Landis, somos apresentados aos amigos David Kessler e Jack Goodman que viajam dos Estados Unidos para conhecer a Inglaterra. Chegando em uma pequena cidade, eles vão ao bar e são friamente recepcionados. A situação piora quando Jack pergunta o porquê do local ter velas e um pentágono na parede. Ao saírem, eles caminham por uma estrada deserta e percebem que um animal está os cercando. Jack é atacado e tem seu corpo dilacerado, enquanto David fica apenas com cortes no rosto e nos ombros, o suficiente para transformá-lo em um lobisomem.

O clássico, “O Homem Lobo” (1941), com atuação magistral de Lon Chaney Jr., estão espalhadas por toda a história. O filme e o próprio Lon são citados por Rudy, dono da pousada na página 41. Além disso, algumas imagens dos lobos presentes na história, parecem inspiradas em Gmorg, o lobo negro que persegue Atreyu em “A História sem Fim” (1984).

Lon Chenney em O Homem Lobo.

Gmorg de A História sem Fim.

Coadjuvantes especiais

Otto, o garoto com deficiência intelectual que trabalha no internato, lembra muitos assistentes de médicos malucos ou monstros dos clássicos filmes de terror. Mas Otto pode ser considerado o protótipo de Gnaghi, companheiro de Francesco Dellamorte no romance de Sclavi “Dellamorte, Dellamore” de 1991 e do filme de Michele Soavi de 1994.

Gnaghi em Dellamorte, Dellamore

Os personagens coadjuvantes de “As Noites da Lua Cheia” são inspirados em filmes, ou grandes personalidades como o Inspetor Durrenmatt, que investiga em paralelo junto a Dylan. Seu nome é uma referência ao escritor suíço Friedrich Dürrenmatt (1921-1990), que renova o gênero policial ao escrever, A Promessa, que leva o subtítulo Réquiem para um romance policial.

Inspetor Durrenmatt.

O nome da menina desaparecida é Mary Ann Price, uma homenagem ao ator americano Vincent Price. Protagonista de muitos filmes de terror, especialmente em sua última interpretação, a do criador de Edward em “Edward Mãos de Tesoura”, de Tim Burton.

Mas você deve se lembrar dele quando interpretou a voz satânica no final da música “Thriller”, de Michael Jackson.

Nazistas não por acaso

Tal como acontece no primeiro volume de Dylan Dog, onde a narrativa central dos acontecimentos acontece em Undead (Morto Vivo), no volume três a história acontece na vila de Wolfburg, em alemão “Castelo dos Lobos”. É bem provável que além dessa brincadeira com o nome, Sclavi a tenha nomeado assim, semelhante à cidade de Wolfsburgo, cidade onde nasceu a Volkswagem no tempo dos nazistas (1937). E até por isso a maior participação do Fusca de Dylan na história.

 

Outro fato é o dono da pousada, Rudy (que em alemão devia-se escrever Rudi), com um bigode hitlerista ele odeia estrangeiros. Mas não estrangeiros como Dylan, que como diz ele, “é um estrangeiro da “Anglaterra””, mas sim dos estrangeiros que vivem na floresta. “chamamos de estrangeiros os que vem da floresta de vez em quando… homens nunca visto antes, nascidos do nada… nus ou vestidos em farrapos… e eles são maus!”, ressalta Rudy. Não é preciso ir longe pra notar que trata-se de racismo contra imigrantes de países de terceiro mundo, ciganos, etc…

Na página 46, Alexandra, uma garota do internato que ajuda Dylan menciona o Barba Azul, protagonista homônimo do conto de fadas escrito por Charles Perrault, que apareceu pela primeira vez na coleção “Contos da Mamãe Ganso”, de 1697. Em O Barba Azul, um conde muito feio casava e matava suas esposas em seu castelo. Após casar com a filha caçula de um de seus vizinhos, ela descobre o segredo do conde e é salva por seus irmãos.

Dança com Lobos

Imagem da menina Kamala.

A sequência final, que mostra uma criança criada por lobos refere-se primeiramente a Mogli, do clássico “O Livro da Selva” de Rudyard Kipling, imortalizado na animação de Walt Disney, “Mogli – O Menino Lobo” (1967). E também inspirado em casos de crianças criadas por animais, o mais famoso talvez seja das meninas da Índia Amala e Kamala. Também conhecidas como as meninas lobo, foram encontradas em 1920. A primeira delas tinha um ano e meio, vindo a falecer um ano mais tarde. Kamala, no entanto, já tinha oito anos e viveu até 1929. Elas agiam como filhotes de lobo, de forma incomum.

Cena do filme Among Wolves, de 2010, que conta a história de Marcos.

Cronologicamente, a história mais próxima do ano da publicação da história de Sclavi é a do espanhol Marcos Rodríguez Pantoja, que quando criança viveu, entre as décadas de 1950 e 1960, em completo isolamento nas montanhas da Serra Morena, na Espanha. Seu pai o vendeu como escravo para um pastor eremita, que quando veio a morrer, deixou a criança sozinha com apenas sete anos. Marcos fez de tudo para sobreviver nos arredores de Serra Morena, onde seguiu para as montanhas onde bebia leite de cabra, comia raízes e passava a maior parte do tempo com uma matilha de lobos.

Outro final Explosivo!

O final desta história é incrível. A bruxa terrível conta seu plano antinatural, (SPOILER) onde as irmãs Blucher fazem com que as meninas do internato acasalem com as criaturas meio homem e meio lobo para gerar uma nova e poderosa raça híbrida. O que seria uma história clássica de terror de lobisomem, na realidade é uma ferramenta que Sclavi utiliza para conduzir a sua batalha pessoal contra a violência contra os animais e os experimentos em seres vivos.

As irmãs Blucher são um símbolo do desejo do homem de se esforçar para além dos limites impostos pela razão. Querer substituir Deus e submeter a natureza aos seus próprios interesses. Dizer NÃO aos experimentos com animais era muito à frente de seu tempo e ainda hoje luta-se contra isso.

Dylan e Sclavi em proteção aos animais

Sclavi (à direita) com o cardiologista veterinário Roberto Santilli que salvou seu cão e o apoia na Fundação Otto.

Sclavi mora na província de Varese, com sua esposa, sete cachorros e dois gatos. Ele criou a Fundação Otto, para oferecer tratamento gratuito para cães e gatos portadores de doenças cardiopulmonares. A fundação leva o nome de seu cão da raça dachshund, Otto, salvo de uma pneumonia gravíssima graças a uma terapia baseada em uma medicação com ventilação assistida. Uma terapia muito cara e pouco difundida. “Minha esposa e eu nos dedicamos há anos e agora quase exclusivamente ao cuidado e proteção dos animais”, disse Sclavi.

Dylan Dog participa há anos de muitas campanhas em prol da defesa dos animais. Especialmente no verão, quando as pessoas vão para a praia e abandonam seus animais.

Ilustração de Nicola Mari.

Ilustração de Paolo Bacilieri.

Depois de seis anos, auxiliado pela primeira vez por Mauro Marcheselli, Sclavi escreveu a sequência dessa história, com desenhos de Montanari & Grassani. Ela foi publicada originalmente no volume 72 e no Brasil publicado pela Mythos em Dylan Dog #31 – A última lua cheia.

 

Em Dylan Dog o terror é somente a camada superficial. Sclavi, um gênio, coloca tantas camadas que a cada vez que fuçamos conseguimos achar mais coisas. Somente nesta terceira história ele já nos traz licantropia, bruxaria, nazismo, preconceito, ciência, além de cinema, cultura alemã, exploração de meninas, maus tratos contra animais, etc… E principalmente, a cereja do bolo de Dylan Dog: o horror verdadeiro que é provocado pelos próprios seres humanos.

 

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Dylan Dog Omnibus – Jack, o Estripador

Continuando a sequência de matérias sobre as seis primeiras histórias de Dylan Dog, que sairão no primeiro Omnibus do personagem, chegamos ao segundo volume: Jack, o Estripador. Esta história foi publicada no Brasil em 1991 pela Editora Record e agora estará disponível nas 604 páginas do Omnibus lançado pela Editora Mythos.

Aqui o intuito é nos aprofundar mais através das várias referências ao cinema e à cultura presentes na obra de Tiziano Sclavi. Para cada matéria foi criado um Cartaz de filme, do qual tem alguma relação com a história mencionada. Neste segundo, o cartaz foi inspirado no filme “Do Inferno” (2001), estrelado por Johnny Depp e Heather Graham, baseado na obra homônima em quadrinhos de Alan Moore e Eddie Campbell.

Do Inferno se passa na Londres de 1888, quando prostitutas são caçadas, assassinadas e mutiladas por um assassino chamado Jack, o Estripador. Assassino este que no mundo real se tornou famoso ao matar pelo menos cinco prostitutas no bairro Whitechapel. Sua identidade nunca foi definitivamente revelada, apesar de hipóteses e especulações. É com base neste personagem que Sclavi nos traz a segunda história de Dylan Dog.

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Dylan Dog – Jack, o Estripador. Publicado originalmente em Dylan Dog – Jack, lo Squartatore em 1º de novembro de 1986. Roteiro de Tiziano Sclavi, arte de Gustavo Trigo e capa de Claudio Villa.

Mesmo que se apresente como um terror, esta história se revela um mistério à la Agatha Christie. Na sessão espírita da sequência inicial, onde algumas pessoas trazem de volta o espírito de Jack, o Estripador, entre os participantes está Margareth Christie, referência à própria Agatha. Elizabeth Dewey, uma possível ligação à Thomas B. Dewey, autor americano de romances policiais hardboiled. E Lord Dunsany, escritor, poeta, dramaturgo e ensaísta anglo-irlandês.

O trabalho de Christie inspira a estrutura narrativa da edição. A sequência de assassinatos disfarçados com o objetivo de confundir e afastar suspeitas lembra o Serial Killer A.B.C., de “Os Crimes ABC”, romance de Christie publicado em 1936.

Agatha Christie escreveu mais de 100 livros. 40 deles dedicados ao detetive Hercule Poirot, do qual ela odiava.

Em “Jack, o Estripador”, somos apresentados a uma linda garota que contrata Dylan Dog para inocentá-la de um crime. Ela é Jane Sarandon, enteada da vítima, Sarah Sarandon que, segundo Jane foi morta pelo fantasma de Jack, o Estripador. Já pegou a referência seguinte certo? O sobrenome das duas é inspirado em Susan Sarandon, protagonista do filme Rocky Horror Picture Show.

Susan Sarandon em The Rocky Horror Picture Show.

Um fato interessante é que na página 17, quando Jane entra no corredor com as estátuas do escritório de Dylan, ela é atingida na cabeça por uma estátua de… Jack, o Estripador.

Jane trabalha em um Museu de Cera como vigia noturno, e lá temos várias imagens cinematográficas de terror e fantasia. A primeira estátua é Lon Channey (1883-1930) em sua interpretação de O Fantasma da Ópera de 1925. Em seguida temos Napoleão Bonaparte, o monstro Frankenstein e Adolf Hitler.

O pregador de rua que Dylan e Bloch encontram no parque grita: “Eu lhes digo que o diabo foi despertado! Jack, o Estripador, é apenas um dos seus nove bilhões de nomes. O diabo voltou para nós porque nós o chamamos com nossos pecados”. Dylan pergunta a Bloch: “Mas não é Deus quem tem nove bilhões de nomes?”.

É uma referência a uma história de ficção científica de Arthur C. Clarke, “Os Nove Bilhões de Nomes de Deus”. A obra foi publicada em diversas coleções e Clarke é considerado o iniciador do realismo fantástico.

A cena em que Dylan e Jane assistem no cinema, sem fazer referência explícita, pode ser uma homenagem à famosa sequência do elevador do filme “Dressed to Kill” (1980), de Brian de Palma (No Brasil, Vestida para matar).

Embora Dylan seja declarado abstêmio e ex-alcóolatra, na página 28 o vemos bebendo uma cerveja. Perdoável, já que era um personagem em construção, mas este tipo de exceção, intencional ou não, aparece em várias edições. Em algumas reimpressões estas cenas foram sendo corrigidas sugerindo um descuido involuntário.

O assassinato de Lord Dunsany é uma homenagem explícita à história em quadrinhos “O Encontro em SevenOaks”, com roteiro de Floc’h e desenhos de Rivière. Este quadrinho já foi publicado pela Editora Meribérica/Líber.

Jack, o Estripador retornou em maio deste ano em Dylan Dog Color Fest #49 – Cartas do Pesadelo, com roteiro de Giovanni di Gregorio e desenhos e cores de Emiliano Tanzillo. Em 1888, um assassino feroz ronda Londres, assina cartas delirantes e endereça à Scotland Yard. A cidade é tomada pelo terror e a polícia, através do Doutor Hyde contrata Dylan Dog, um investigador com um passado de vício em ópio. Uma alusão ao vício em cocaína de Sherlock Holmes. Para desmascarar o “monstro”, Dylan terá que enfrentar primeiro os seus próprios demônios.

A resolução do mistério ao longo dos anos

Em 1888, após a sequência de crimes perpetrada pelo assassino, o Dr. Thomas Bond a pedido da polícia de Londres traça um perfil da personalidade de Jack. A motivação dos assassinatos foi provavelmente sexual, mesmo que as vítimas não tenham sido estupradas. O assassino age sob o impulso de profunda raiva e ressentimento em relação às mulheres. Ele não é cirurgião nem açougueiro, pois seus cortes imprecisos revelam que ele não possui conhecimentos anatômicos.

O chefe da polícia, Melville MacNaghten, suspeitou de cinco homens, como escreveu num memorando de 1894 (tornado público em 1959). O último suspeito, William Bury em 1889, um ano após os crimes, estrangula a esposa, uma ex-prostituta. Então ele a estripa e a esconde em um baú. Descoberto, ele é enforcado.

Mas, em 2006, uma equipe de médicos coordenada pelo Dr. Ian Findlay, da Universidade Australiana de Brisbane, conseguiu extrair DNA da saliva seca atrás do carimbo de uma carta assinada por Jack, o Estripador. Só foi possível reconstruir parcialmente o DNA, que muito provavelmente seria de uma mulher.

Lizzie Williams, casada com o médico da realeza John Williams.

Em 2012 então é publicado na Inglaterra “Jack, o Estripador: A mão de uma mulher”, que retoma essa hipótese. O autor, John Morris, um ex-advogado de 62 anos, afirma que o serial killer era na verdade Lizzie Williams, esposa do ginecologista real Sir John Williams, que também acabou entre os suspeitos e foi rapidamente exonerado. Lizzie, na época com 38 anos, teria matado e estripado as cinco prostitutas porque não podia ter filhos e sofria com isso. Três delas tiveram os úteros removidos, corroborando a esta hipótese.

O fato de nenhuma vítima ter sido violada pode indicar que o assassino era de fato uma mulher; além disso, em uma cena do crime foram encontrados botões de uma bota feminina e em outra uma peça de roupa feminina que não pertencia à prostituta.

Em 2013, Antonia Alexander, descendente da última prostituta assassinada, Mary Kelly, identificou a foto colocada em um medalhão que Mary havia recebido de presente: é a de seu amante Sir John Williams, o médico real casado com Lizzie. A hipótese de os dois serem amantes já havia sido levantada pelos investigadores na época. De acordo com Alexander, não Lizzie, mas John Williams era Jack, o Estripador.

Porém, o assassinato de Mary Kelly, o último da série, foi de longe o mais brutal, dadas as más condições em que seu corpo foi encontrado. Pode-se dizer que, Lizzie Williams teria gostado de eliminar Kelly sozinha por ciúmes, mas, para não lançar suspeitas sobre ela (e também para “desabafar” a raiva que a devorava), primeiro matou as outras prostitutas e escreveu cartas para os jornais, a fim de criar um serial killer masculino imaginário na mente dos investigadores.

Heather Graham como Mary Jane Kelly no filme Do Inferno (2001).

Depois de ter torturado sua rival amorosa até a morte, ela não tinha outro motivo para continuar matando. O fato de apenas a última vítima ter sido morta em casa, onde só ela poderia estar, é indicativo; e não, como todos os outros, na rua onde você nunca sabe que prostituta poderia encontrar.

Alan Moore passou longe dessa teoria, já que em sua história, ele segue uma teoria do final da década de 1970, quando Stephen Knight propõe que as mortes estão ligadas à Coroa Britânica e que elas são uma tentativa de ocultar o nascimento de um bebê real ilegítimo do Príncipe Alberto Vitor, neto da Rainha Vitória. Toda esta conspiração estava conectada com a Maçonaria e com a própria Rainha.

Ao final da história de Dylan Dog, “Jack, o Estripador” vemos que o motivo dos crimes é realmente mais Agatha Christie do que os reais motivos de Jack. Porém, percebemos que quem mais chegou perto da teoria mais provável foi o próprio Tiziano Sclavi, mesmo com outros personagens e motivos.

Dylan Dog Omnibus – O Despertar dos Mortos Vivos

Com chegada prevista para agosto, a Editora Mythos está lançando o Omnibus de Dylan Dog. 604 páginas que trazem as seis primeiras histórias do personagem. Histórias estas publicadas no Brasil em 1991 pela Editora Record e que já não se encontram facilmente. Apenas a primeira edição, “O Despertar dos Mortos Vivos” foi republicada pela Conrad em 2001.

Por isso, para este momento histórico do personagem no Brasil, a Confraria Bonelli irá publicar uma série de matérias especiais aprofundando mais estas histórias através das várias referências ao cinema e à cultura presentes na obra de Tiziano Sclavi, além de suas próprias referências pessoais que ele inseriu em Dylan Dog.

Especialmente no primeiro volume, existem além das referências para a história, as referências para a criação do personagem e seu mundo. Por isto este texto ficou muito, muito grande.

Para cada história foi criado um Cartaz de filme, do qual tem alguma relação com a história mencionada. Neste primeiro, por exemplo, é o cartaz original de “A Noite dos Mortos Vivos” (1968) de George Romero. As obras do diretor foram inspirações para todo o clima da primeira edição de Dylan Dog.

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Dylan Dog – O Despertar dos Mortos Vivos. Publicado originalmente em Dylan Dog – L’Alba dei Morti Viventi em 1º de outubro de 1986. Roteiro de Tiziano Sclavi, arte de Angelo Stano e capa de Claudio Villa.

O primeiro e lendário número de Dylan Dog abre com um prólogo cinematográfico impecável: Sybil Browning é perseguida e por pouco não escapa do seu falecido marido, que se tornou um zumbi. Ela consegue sobreviver ao ataque e procura a única pessoa que pode ajudá-la, um detetive que toca clarinete e cultiva uma paixão por monstros e mistérios. O Investigador do Pesadelo Dylan Dog, e seu inseparável assistente, Groucho. Juntos, os três investigam o porquê do marido de Sybil ter se tornado um zumbi e vão até a Escócia em busca de outro cientista: Xabarás.

Sclavi já nos apresenta muitas das características que o investigador carregará consigo durante boa parte de sua carreira. Descobrimos imediatamente que ele é vegetariano, irônico, autodepreciativo (mas sério nos momentos críticos), brilhante, tão imprudente que não separa seus relacionamentos profissionais dos particulares (ir para a cama com clientes é quase normal), pobre e cético (até certo ponto, ele é alguém que “não acredita, mas espera que sim”) apesar de sua profissão particular.

Tem uma exclamação típica: “Judas Dançarino!”. Que originalmente vem do jornalista Gianluigi Gonano, que traduziu histórias de fantasia e ficção científica para as edições Gamma, entre as quais estava Allamagoosa. Uma história de 1955 de Frank Russell cujo protagonista exclamava muitas vezes, precisamente: “Josafá Saltitante!”. Sclavi, entusiasta de ficção científica se inspirou nesta expressão para criar a de Dylan.

Cinéfilo apaixonado pelo gênero terror, Dylan também tem fama de charlatão, difundida pelos jornais ingleses. Ele dirige um Volkswagen Maggiolino Cabriolet (Fusca conversível) branco, e tem o hobby de construir um molde de um galeão que nunca termina. Seu honorário é de 50 libras por dia mais despesas (taxa ajustada no futuro).

E o nome? Dylan Dog (Dilan, não Dailan), foi criado por Sclavi quase que por coincidência. Dylan foi simplesmente retirado do nome do poeta galês Dylan Thomas. Já Dog, ao passar pela vitrine de uma loja, se impressionou com o título de um livro: “Dog figlio di”, de Mickey Spillane. Sclavi nunca chegou a comprar o livro e nem leu. O Investigador do Pesadelo originalmente deveria ser um detetive atormentado e durão que morava em Nova York, mas a equipe editorial da Bonelli estava em busca de ideias mais originais e pressionou Sclavi a refazer o roteiro. O resto é história.

A capa e os Mortos Vivos

Poster que inspirou Villa para Dylan n.1.

Na capa da primeira edição, mãos em primeiro plano, erguem-se do chão para agarrar um homem que se destaca e detrás dele a lua cheia. Atrás dele, outras figuras estão prestes a pegá-lo em um abraço mortal, são os mortos vivos ou zumbis. Uma situação desesperadora para o que viria a ser conhecido como Investigador do Pesadelo, mas que por enquanto nos é apresentado pelo título: Dylan Dog.

Os zumbis voltaram à moda com o diretor George A. Romero em 1968 em A Noite dos Mortos Vivos (Night of living Dead), e foi onde surgiu a inspiração para a capa, desenhada por Claudio Villa e que também é o responsável pela criação gráfica do personagem. Villa se baseia em um dos cartazes do filme. Porém, Sclavi tirou as referências para a primeira história de Dylan Dog do filme “Dawn of the Dead” (1978), o segundo de seis filmes em que se consiste a franquia dos mortos vivos.

Na Itália, o segundo filme é mais conhecido como “Zombi”. No Brasil, “O Despertar dos Mortos”. O primeiro filme, realizado com baixíssimo orçamento, foi um enorme sucesso e a sequência foi co-produzida pelo diretor italiano Dario Argento para a distribuição na Europa e Japão. Argento fez alterações substanciais ao filme, cortou muitos diálogos, reduzindo as cenas em cerca de dez minutos. Na música, creditou-se como autor, junto a banda Goblin, da qual participou de vários filmes de Argento. Dario, do qual Sclavi é muito fã, anos depois acabou até mesmo escrevendo uma história para Dylan Dog, “Prelúdio para Morrer”, publicado pela Mythos em 2019.

Na primeira edição de Dylan Dog, “Zombi” é mencionado explicitamente, além das várias homenagens ao longo da edição. Na página 29, Dylan, Sybil e Groucho estão no cinema, para assistir a um festival de cinema de terror. A página abre com uma sequência do filme de Romero, em que se pronuncia a frase mais famosa: “Quando não houver mais lugar no inferno, os mortos caminharão pela terra”. Além disso, Dylan, apaixonado por filmes de terror repreende Sybil: “Não se atreva mais a chamar os “Zombies” de Romero de lixo!”.

No Brasil isto se perde um pouco, devido às traduções. Na edição da Record, Dylan diz: “E nunca mais chame de nojeira o Zumbi de Romero!”. Enquanto que na edição da Conrad ele diz: “E nunca mais chame de nojeira “A Noite dos Mortos Vivos” de Romero!”. Ou seja, um traduziu mal a questão de “Zombie” ser na verdade o nome do filme italiano “O Despertar dos Mortos”. Enquanto que o outro citou na verdade, o primeiro filme da franquia. Totalmente aceitável, porque ainda hoje com internet, é difícil colher informações precisas sobre estas curiosidades.

Dylan é Rupert, Rupert é Dylan

Dylan é graficamente inspirado no ator inglês Rupert Everett, que na época estrelou seus primeiros grandes sucessos como Another Country (1984) (No Brasil, Memórias de um Espião) e Dancing with a Stranger (1985) (No Brasil, Dançando com um estranho). Mas Villa não deixa muito claro esta semelhança na capa. Ela é mais evidente no traço de Stano, principalmente quando, em close-up Dylan parafraseia o espião inglês James Bond ao se apresentar: “Meu nome é Dog, Dylan Dog”. Everett interpretaria outro personagem de Sclavi, Francesco Dellamorte em 1994, no filme Dellamorte Dellamore, de Michele Soavi, baseado no livro homônimo de Sclavi.

Rupert Everett em Dellamorte, Dellamore.

O traço de Angelo Stano, como se sabe, remete fortemente ao estilo do pintor austríaco Egon Schiele, cujo retrato de Erich Lederer, de 1913 apresenta sugestivas semelhanças ao herói da Bonelli.

O Endereço do pesadelo

As referências cinematográficas continuam. Dylan mora e trabalha na Craven Road n. 7. Uma homenagem ao diretor americano Wes Craven, conhecido pela saga A Hora do Pesadelo (1984) e que, apaixonado por quadrinhos, dirigiu em 1982 o filme do personagem da DC Comics, Monstro do Pântano, criado por: Bernie Wrightson e Len Wein.

Em entrevista ao The Guardian, Sclavi diz que nunca esteve em Londres, pois como Dylan, tem claustrofobia e medo de avião. “Escolhi o número sete para a residência de Dylan porque é um número mágico, e o nome da rua é uma homenagem ao cineasta de terror e ator Wes Craven. Anos depois, um ilustrador que morou em Londres me disse que Craven Road realmente existe”, comentou Sclavi. Por coincidência, a Craven Road fica a menos de um quilômetro da Baker Street, 221B, famosa casa de outro detetive inglês, Sherlock Holmes.

“Dylan e Sherlock são muito diferentes, mas com algumas coisas em comum. Pensei em Holmes quando Dylan precisava tocar um instrumento musical e escolhi o clarinete em vez do violino, que era o instrumento de Holmes”, explicou Tiziano e complementa, “e ao invés da solução de sete por cento, (onde Holmes se injeta cocaína na concentração de 7%), eu fiz meu personagem ser um alcoólatra em recuperação”.

Outro elemento que Sclavi acrescenta é que Holmes depende totalmente da dedução, Dylan prefere seguir o instinto, ou seu “quinto sentido e meio”. Holmes é um violinista amador, e Dylan sabe tocar apenas uma música em seu clarinete, O trilo do Diabo, de Giuseppe Tartini. Outra diferença é que Holmes beira a misoginia e tem dificuldades em cultivar relações afetivas, Dylan muito pelo contrário, se apaixona por uma mulher a cada episódio.

Pequenos grandes detalhes

A campainha barulhenta da casa de Dylan é uma homenagem ao filme Dinner Party, de 1976. No vídeo com um trecho da versão italiana do filme, é possível escutar o som da campainha no minuto 2:59. Este filme, uma paródia do clássico gênero policial, tem a extraordinária participação do escritor Truman Capote, autor de A Sangue Frio, em sua única e verdadeira interpretação cinematográfica.

Em 2004, em entrevista ao programa “Antistoria del fumetto italiano – Il caso Dylan Dog”, para o canal Cult Italia Network, Sclavi conta que o Fusca conversível, ou como é chamado na Itália, Maggiolino Cabriolet, foi o primeiro veículo que teve, e que acabou se tornando o carro de Dylan também. “Eu gostava muito deste carro, percorri mais de 130 mil quilômetros com ele. Embora deva dizer que era um veículo que eu não devia ter comprado pelas minhas ideias políticas. Na época era o carro de jovens fascistas”, comentou Sclavi. Lembrando que o Fusca, um dos veículos mais populares do planeta, nasceu em 1934 em plena Alemanha Nazista. Foi projetado pelo engenheiro automotivo austríaco Ferdinand Porsche, encomendado por Adolf Hitler.

A mesa de escrivaninha de Dylan é a mesma em que Sclavi trabalha. E o galeão que Dylan monta, é um galeão que Sclavi também tem, mas fica guardado em seu porão. É uma versão do HMS Victory, de 1765. Foi a nau capitania do Almirante Horatio Nelson, Comandante da Frota Britânica que derrotou a Esquadra Franco-Espanhola na Batalha do Cabo Trafalgar, durante as Guerras Napoleônicas. Em Dylan Dog, ao longo dos anos descobrimos que o navio é uma ligação ao passado, presente e futuro do personagem.

Batalha de Trafalgar. Quadro de JMW Turner.

Freaks e Fantasmas

O sobrenome de Sybil é Browning, assim como Tod Browning, diretor do filme Freaks, de 1932, além de Drácula de 1931, estrelado pelo carismático Bela Lugosi. Ao conversar com Sybil, Dylan coloca no toca-discos o tema musical de Caça Fantasmas, de 1984, de Ivan Reitman, interpretado por Ray Parker Jr.

O escritório de Dylan nos apresenta entre os discos um do compositor russo Modest Petrovič Mussorgsky, assim como, atrás do investigador, é exibido o pôster do filme The Rocky Horror Picture Show.

Robert Morley.

Na página 26 é apresentado o Inspetor Bloch, inspirado graficamente no ator inglês Robert Morley, que estrelou uma centena de filmes entre 1938 e 1990. O sobrenome Bloch, é uma referência ao escritor Robert Bloch, conhecido pelo seu livro Psicose, imortalizado nos cinemas por Alfred Hitchcock em 1960. O primeiro nome do Inspetor é Sherlock, uma clara referência a Holmes.

O título do segundo capítulo da história é “The Horror”, que se refere ao romance “Heart of Darkness” de Joseph Conrad, que inspirou o sucesso de Francis Ford Coppola, Apocalypse Now, e em particular ao monólogo de terror do Coronel Kurtz.

Groucho Marx Show

Mas, não falamos ainda da principal e mais óbvia homenagem à história do cinema em Dylan Dog: Groucho. O assistente de Dylan tem o nome e a aparência do comediante Groucho Marx, mais conhecido pelo grupo de comédia dos Irmãos Marx, em atividade do final do século XIX ao final da década de 1940.

Groucho é seu companheiro, seu melhor amigo, assistente e funciona como alívio cômico, uma metralhadora de piadas non sense: “Ele já foi comediante. Talvez você já o tenha visto em algum filme”, comenta Dylan. O comediante faleceu em 1977 e é de certa maneira mágico vê-lo com tanta naturalidade em um quadrinho seriado. Sua grandeza vai além do espaço tempo.

Por problemas relacionados aos direitos autorais do personagem, na edição americana de Dylan Dog publicada pela Dark Horse, Groucho não tem seu icônico bigode e é chamado.. Felix! E nem está presente no esquecível filme de 2010 de Dylan Dog, substituído por Marcus Adams, interpretado por Sam Huntington.

Xabaras Abraxas

O nome do grande vilão da primeira história, Xabaras, é um anagrama para Abraxas, um dos nomes do diabo como deduz Dylan. Na realidade, Abraxas tem uma origem incerta, com base no misticismo gnóstico e somente para se opor a isso foi associado à figura do diabo pelos padres católicos.

Xabaras grita ao patologista Archibald Potter (mesmo nome do compositor irlandês): “Não abra essa porta! Não abra!”, e o homem responde, “E porque não deveria abrir esta porta?”, não seguindo seu conselho e libertando um grupo de mortos vivos. Uma referência ao filme O Massacre da Serra Elétrica (1974), do diretor Tobe Hopper.

Além disso, Undead, a cidade escocesa onde acontece a parte final da história, é o título em inglês do filme The Undead (1957), de Roger Corman, com tema também em zumbis e que a tradução literal é “morto vivo”, claro.

Quando Dylan encontra Xabaras em sua casa, ao lado de um cadáver deitado sobre uma mesa de operação, ele grita: “Posso devolver-lhe a vida!”. Uma referência a Frankenstein de Mary Shelley. Mas ao invés de descargas elétricas, Xabaras usa um soro moderno, que no entanto transforma suas criaturas em monstros famintos por carne humana, exatamente como aconteceu no filme Re-Animator, de 1985, de Brian Yuzna e do conto original de Lovecraft, publicado de 1921 a 1922.

Na página 57, Xabaras menciona a si mesmo como: “Eu sou a lenda”. Referência à obra do escritor Richard Matherson, que inverte a obra de Drácula de Stoker, imaginando um mundo onde todos os homens se transformam em vampiros, exceto um. Já foi adaptado várias vezes para o cinema, sendo a primeira em 1964, no filme O último Homem, estrelado por Vincent Price. Em em 2007, estrelado por Will Smith.

Não confirmado, mas Xabaras poderia ter sido inspirado no Dr. Frederick Treves, interpretado por Anthony Hopkins no filme Homem Elefante (1980), de David Lynch.

Conclusão explosiva

O roteiro da primeira história é denso e cheio de ação, mesmo sendo apresentado em um enredo clássico, mas com muitos diálogos frescos, irônicos e ainda atuais. Uma atenção quase obsessiva para com os personagens em cada quadro em um ritmo apertado. Existem numerosos momentos de terror que embelezam a história. Tesouras nos olhos, ressurreições à moda antiga de túmulos de cemitérios, ressuscitações de corpos nus no necrotério…

Além de momentos inesquecíveis como a viagem de trem e a fuga para a cidade de Undead, onde presenciamos o momento favorito de muitos leitores que é a viagem de bicicleta. O final “explosivo” ainda gera polêmica entre os fãs, mas vamos considerar que ainda se tratava de uma evolução do personagem.

É uma edição muito importante e um marco na história dos quadrinhos italianos. E com a chegada do Omnibus, um novo marco para o personagem no Brasil.

O Pesadelo Editorial de Dylan Dog

Dylan Dog #1

Dia 26 de setembro de 1986, era publicado pela Daim Press, hoje Sergio Bonelli Editore, Dylan Dog: O Despertar dos Mortos Vivos. Um quadrinho de terror, que trazia muito splatter e um Investigador diferente de tudo que já se viu. Se tornou um fenômeno editorial, na década de noventa vendia mais de meio milhão de edições, ganhando Festivais com seu nome, superando o ouro da casa: Tex.

Depois dos anos 2000 as vendas decaíram e em meados dos anos 2010, literalmente, um Meteoro atingiu Dylan Dog afastando até mesmo os leitores mais antigos. Foi somente em 2022, com a chegada da editora Barbara Baraldi que Dylan Dog, segundo a própria: “irá voltar a ter o Pesadelo de volta ao centro das histórias”.

Hoje, especialmente no Brasil, não se sabe que rumo Dylan Dog tem tomado. Os fãs que abandonaram a fase italiana no período do editor Roberto Recchioni, período este que chegou a aposentar o Inspetor Bloch e sumir com Groucho colocando no lugar dele Gnaghi, nem sabem que o personagem voltou ao status quo de antes. Esta fase foi publicada pela metade no Brasil pela Mythos em Dylan Dog Nova Série, cancelada na edição #32.

Aqui você verá um apanhado da vida editorial de Dylan Dog na Itália, um guia para que os leitores brasileiros entendam o que aconteceu e o que está acontecendo com o personagem hoje em dia.

Fase SCLAVI

Dylan Dog #100

Como dito, Dylan foi lançado em 1986 e no primeiro ano editorial, todas as histórias foram escritas pelo criador do personagem, Tiziano Sclavi. Depois outros autores alternaram como Giuseppe Ferrandino, Luigi Mignacco, Alfredo Castelli (criador de Martin Mystère), Medda, Serra e Vigna (criadores de Nathan Never), Carlo Ambrosini (criador de Napoleone), Gianfranco Manfredi (criador de Mágico Vento), Mauro Marcheselli, Pasquale Ruju, Paola Barbato, Claudio Chiaverotti (criador de Morgan Lost) e muitos outros.

Dylan Dog #42 – Estreia de Angelo Stano como capista

A grande maioria dos fãs de Dylan Dog elogiam os primeiros 100 números, que segundo eles, é o auge do personagem. Essa fase está sendo publicada atualmente pela Editora Mythos em Dylan Dog “clássico” e se continuar assim teremos os 100 primeiros números publicados no Brasil somando todas as séries que já saíram pela Record, Conrad, Lorentz e Mythos. “A principal característica dos primeiros 100 números foi que nós, leitores, nunca sabíamos o que esperar. Eram histórias surpreendentes e por muitas vezes nos deixavam reflexões. Quando chegávamos ao final às vezes não tínhamos uma resposta, mas uma pergunta”, disse Barbara Beraldi em uma entrevista para a Wired.

Dylan Dog #250

Sclavi convivia com uma forte depressão e o alcoolismo. Após a 100ª edição, publicada em janeiro de 1995 ele continuou escrevendo ocasionalmente, largando definitivamente o personagem em 2007 na edição #250 “Ascensore per L’Inferno” (Elevador para o Inferno).

Claudio Villa, criador visual de Dylan Dog foi capista da série até a edição #41, sendo substituído por Angelo Stano, desenhista da primeira história do Investigador do Pesadelo.

Por volta do número #300, a linha traçada por Sclavi para o personagem se perde bastante, e surgem histórias com qualidade variada. Obras previsíveis como O Museu do Crime (305) e monótonas como A autópsia (309). Angelo Stano tem uma péssima estreia como roteirista em Legião dos Esqueletos (315) e até mesmo Paola Barbato, uma das autoras mais talentosas de Dylan, que nos entregou o brilhante “Número 200”, fica um pouco perdida nesse período como é visto em O Colapso (313), que no panorama geral dessa fase foi até uma boa história.

DyD #305 / DyD #309 / DyD #315 / DyD #313

 

DyD #316 / DyD #286 / DyD #311 / DyD #307

A revista oferecia histórias esquecíveis e temas já abordados, sem valor a acrescentar e aventuras em que Dylan estava presente quase por acaso e sem uso para os propósitos narrativos. Neste período pode-se contar nos dedos as edições que, de uma forma ou de outra, nos apresentaram um Dylan digno de ser lido. Talvez “Blacky” (316)“Programa de reeducação” (286) “O julgamento do corvo” (311) de Recchioni ou “O assassino do vizinho” (307).

 

2013: Início da fase RECCHIONI

Dylan Dog #337

O personagem ia muito mal e entre 2013 e 2014 acontece uma reformulação do personagem confiada à Roberto Recchioni.  Nomeado editor da série no lugar de Giovanni Gualdoni, que ficou apenas três anos no cargo após a gestão de Mauro Marcheselli. Franco Busatta ficou responsável pela coordenação editorial.

O relançamento começa a partir da edição #337 – Spazio Profondo (Espaço Profundo), uma história onde Dylan, ou uma versão alternativa dele, está em uma estação espacial e tem que lidar com monstros e fantasmas. A partir da #338, que no Brasil deu início a Dylan Dog Nova Série, é que começam a acontecer as verdadeiras mudanças narrativas.

Dylan Dog Nova Série #1 – Mythos

Todos os números tem histórias independentes, mas mantém uma espécie de continuidade narrativa que liga os episódios em ciclos anuais. O Inspetor Bloch se aposenta da Scotland Yard e muda-se para o campo. Quem assume seu lugar é Tyron Carpenter, que considera Dylan um charlatão e apreende o distintivo vencido que Dylan usava mesmo não sendo mais policial. Ele é introduzido junto à Sargento Rania Rakin, uma policial da Scotland Yard que se torna coadjuvante de Dylan em algumas histórias.

Carpenter e Rania surgem na série Dylan Dog.

Dylan Dog Nova Série #4 – Estreia de John Ghost.

Uma das novidades é a inserção da tecnologia na vida de Dylan através de um smartphone gerenciado por Groucho. Toda a fase Recchioni tem como grande vilão John Ghost, um industrial inescrupuloso.

Depois de nove anos, em 2016, após nove anos de ausência, Sclavi volta a escrever um roteiro para Dylan Dog na edição #362 (Dopo un lungo silenzio), e em 2017 na edição #375 (Nel Misterio).

Na edição #363 estreia um novo capista, Gigi Cavenago, que substitui Angelo Stano.

Dylan Dog #363 – Estreia de Gigi Cavenago como capista

O ciclo METEORA

Dylan Dog #387

A partir da edição #387 inicia um ciclo de 13 histórias interligadas intitulada “Ciclo Meteora”, que se encerra na edição #400. Nessa fase existe um meteoro vindo em direção à Terra gerando muitos distúrbios ao planeta. É feita uma contagem regressiva nas capas, e o logotipo da revista vai apresentando rachaduras até se desintegrar.

As subtramas apresentadas desde o início da fase Recchioni se concluem e na edição #400 acontece um reboot radical.

O interesse dos leitores ávidos e fieis já vinha diminuindo e com a edição #400 a empatia acaba totalmente.

Dylan Dog #400 contou com 4 capas variantes de Villa, Stano, Cavenago e Corrado Roi.

Ciclo 666 e mais

Dylan Dog #403

A partir da edição #401 inicia o Ciclo 666 em seis edições escritas por Roberto Recchioni. Dylan é apresentado em uma nova versão. Está acompanhado por Gnaghi ao invés de Groucho. Gnaghi é o personagem criado por Sclavi para o romance Dellamorte Dellamore, que deu origem a um filme com Rupert Everett (inspiração visual para Dylan).

Dellamorte, Dellamore (Cemetery Man) (1994)

Dylan passa a ser filho adotivo de Bloch, que de Inspetor passa a ser Superintendente. A Sargento Rania é a ex-mulher de Dylan, que o traiu para ficar com Carpenter. O ciclo 666 permitiu a Recchioni explorar em outras ocasiões, um Dylan pós-moderno se apresentando em diferentes versões e nuances ao leitor, vivenciando infinitas possibilidades.

A partir do número #407 tudo volta como era antes. Groucho retorna ao seu cargo de auxiliar e as histórias voltam à normalidade, com a diferença que passam a surgir minisagas com três edições ou mais.

2022: o início da fase BARALDI

Dylan Dog #421 – Estreia dos irmãos Cestaro como capistas.

A fase Recchioni gerou um grande impacto para a publicação de Dylan Dog. Apesar de buscar e por muitas vezes conseguir a atenção midiática através de novidades narrativas e gráficas, os fãs criticavam e abandonavam o personagem, reclamando cada vez mais de uma descaracterização de Dylan e seu mundo.

Na edição #421 Cavenago deixa de ser capista e dá lugar aos irmãos Gianluca e Raul Cestaro.

O próprio Tiziano Sclavi assume o controle e propõe o reboot do reboot. Em três edições tudo que Recchioni havia feito desaparece, literalmente. Em Dylan Dog #435, escrita por Claudio Lanzoni e Recchioni, John Ghost desaparece. Na #436 Rania morre e na #437 Carpenter morre. Bloch volta a ser Inspetor e deixa de ser pai adotivo de Dylan, que esquece tudo que havia acontecido antes devido a uma incompatibilidade espaço-temporal.

DyD #435 / DyD #436 / DyD #437

Dylan Dog #441

Em maio de 2023, Barbara Baraldi se torna a nova Editora de Dylan Dog substituindo Recchioni que permanece na equipe como roteirista. “Alguns leitores ficaram assustados porque pegaram uma edição aleatória de Dylan após o ciclo Meteora e não conheceram mais os personagens que deveriam ser familiares. O experimento foi maravilhoso, mas agora todos estão restabelecendo seu papel”, disse Baraldi.

A primeira edição sob o comando de Baraldi é Dylan Dog #441 – La Congiura dei Colpevoli. Na introdução da revista o próprio Tiziano Sclavi toma a palavra, se despede de Recchioni e abre as portas para Barbara. Mas é somente em Dylan Dog #446 que Baraldi abre uma saga em três edições sobre inteligência artificial, iniciando assim oficialmente sua fase em Dylan Dog.

 

Dylan Dog #446 / Dylan Dog #447 / Dylan Dog #448

Segundo Baraldi, ela e Sclavi estão frequentemente em contato, “quando os roteiristas me enviam temas para novas histórias, Tiziano os lê e me dá sua opinião, sempre muito forte. E às vezes ele tem suas próprias propostas. Ele está se envolvendo mais novamente, o que é fantástico”.

Uma das mudanças editoriais aplicadas por Baraldi foi trazer A Enciclopédia do Terror, uma versão do antigo Almanaque do Terror. A Enciclopédia traz três histórias com temas específicos. No primeiro, lançado em 2023 foi S de Sereia, M de Mito e F de Fantasma. E as edições BIS, geralmente publicadas em julho, trarão histórias de Dylan Dog, mas semelhantes ao “E Se…” da Marvel. Na edição que sai em julho de 2024, a trama acontece no ano de 1899, onde Dylan está em uma viagem na Antártica, mas durante cinco semanas o navio fica preso no gelo. A tripulação encontra um fóssil misterioso e o terror começa ao estilo de “O Enigma de Outro Mundo”, de John Carpenter.

Enciclopédia do Medo 2023 / Dylan Dog #454 BIS

Baraldi ressalta que preparou uma carta aos redatores, uma espécie de declaração de intenções. “Com muito respeito aos colegas que trabalham na revista há mais anos do que eu. Hoje temos tantas opções, séries, games, TV… para um jovem, porque deveria escolher Dylan Dog ao invés de um mangá? Temos que dar uma resposta, e na minha opinião é: Escolha Dylan Dog para encontrar algo que te surpreenda, que te deixe sem palavras. Escolha Dylan para ler histórias que ficarão eternamente com você”.

 

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