Aqui na Confraria tínhamos: “Séries Bonelli que talvez nunca vejamos no Brasil”, que se tornou altamente datada porque felizmente surgiram várias editoras que começaram a publicar as séries que comentamos. A intenção dessa nova empreitada é apresentar todas as edições de Le Storie. Uma série altamente rica em sua proposta com histórias incríveis e que valem a pena serem publicadas no Brasil.

Já falamos das edições 1 a 5 AQUI. E continuamos a empreitada:

Le Storie #6 – Retorno a Berlim (Ritorno a Berlino)

Roteiro: Paolo Morales

Arte: Paolo Morales e Davide de Cubellis

Capa: Aldo di Gennaro

 “Osiris 2”… o que é isso?

Ninguém parece saber, mas é certo que dizer estas palavras em público pode acabar lhe custando a vida. O jovem Max, um repórter de Berlim, foi salvo da morte certa por acaso, ele está ciente disso. René, um senhor idoso que, sob o aspecto inofensivo, esconde as habilidades mais mortais de um agente secreto… Afinal, o que une esses personagens, aparentemente distantes?

O sexto número de Le Storie gira em torno de um legado. Algo irônico, já que foi a última história escrita por Paolo Morales, levado por uma doença quando ainda não tinha nem sessenta anos. Na história, a Berlim libertada fica em segundo plano e o ritmo da ação é essencialmente íntimo e silencioso, contrabalanceado pelas reverberações festivas da libertação de Berlim em 1989.

O desenvolvimento da história se passa na Berlim nos dias de hoje, e os eventos do passado e presente vão se aproximando até se fundirem.

Os desenhos detalham as figuras e não se perde muito em paisagens e ambientes. Os personagens Max e Helen tem ótimas personalidades, a ponto de “saírem” das páginas. Uma ótima história de um artista que fará falta.

 

 

Le Storie #7 – A Patrulha (La Pattuglia)

Roteiro: Fabrizio Accatino

Arte: Giampiero Casertano

Capa: Aldo di Gennaro

Vietnã, 1967. O capitão Artz tem uma desagradável missão dada por seu superior direto: entrar na selva da Indochina – no meio daquela guerra absurda – para recuperar uma patrulha que havia desaparecido um ano antes. Um punhado de soldados para recuperar outros, enviados para o desconhecido, à mercê da morte e de seus medos…

A Guerra do Vietnã é uma fonte de inspiração para autores de qualquer campo artístico: diretores, escritores, músicos e roteiristas fizeram dela parte das histórias do imaginário contemporâneo. A Patrulha, se passa nesse cenário, onde Fabrizio Accatino, auxiliado nos desenhos por Giampiero Casertano, nos fala sobre a missão da equipe comandada pelo Capitão Artz, enviada à selva em busca da Foxtrot A patrulha 2/1, que desapareceu misteriosamente.

 

Accatino cria uma boa história, bem caracterizada e sem dúvida cativante. Que mistura o drama da guerra com uma sutil, mas inquietante veia de horror, onde a dúvida e a incerteza se instala no leitor se tornando a principal fonte de tensão. Uma história que não decepciona até o dramático e comovente final.

A Patrulha tem suas raízes em filmes de guerra, não só em Apocalypse Now, mas principalmente baseada no filme coreano R-Point, dirigido por Su-Chang Kong em 2004, do qual retoma quase inteiramente a ideia e a sequência de eventos.

A luz e sombra na obra de Casertano conquistam. Algumas páginas inteiras e quadros cuja estrutura e composição são bem detalhadas, valem muito a pena.

Esta Le Storie tem um ótimo timing narrativo e fonte de reflexão sobre a guerra. A patrulha perdida é uma metáfora para uma geração perdida, engolida por um horror inimaginável. Uma “geração perdida” enviada ao matadouro para reverberar o colonialismo ocidental.

O final, como já dito, é comovente, onde a correspondência entre um dos integrantes da equipe do Capitão Artz e sua mãe acompanha os melancólicos quadrinhos de encerramento, lembrando quantas famílias perderam seus filhos em uma das incontáveis e inúteis guerras.

Le Storie #8 – Amor Negro (Amore Nero)

Roteiro e desenhos: Gigi Simeoni

Capa: Aldo Di Gennaro

O comissário Vitalis deve investigar o assassinato brutal de Francesco, irmão mais novo de sua esposa, Ada. O caso, no entanto está fadado a se complicar quando um cenário sobrenatural surge para quebrar as regras da investigação científica. O mundo das trevas em uma alma negra cresce…

Gigi Simeoni nos lança à Milão na virada do século XX com a história “Amor Negro”. A história é abundante em registros literários, que mesclam o panfleto feminino da época, processual e horror, tudo incluído em um intrigante cenário histórico. Porém, o desenvolvimento da história se precipita em um final abrupto que deixa o leitor perplexo.

A linguagem e a prosa são modernas, com diálogos sem pretensão, mas elegantes em nos situar no ar retro da Milão do início do século XX. Se o assunto é ambicioso, o roteiro é corajoso. Mistura o amante e vingativo, além do amor entre o super-policial e a bela deficiente sensível, com aspectos sobrenaturais. Estes últimos são particularmente originais, e graficamente detalhados com maestria.

Não faltam ideias em Amor Negro: das simbologias florais à representação mediúnica da vida após a morte. Porém existe a compressão de muitos elementos no espaço estreito de uma revista de quadrinhos, com número de páginas determinadas.

Por fim, Amor Negro é uma história em quadrinhos que pode ser apreciada e confirma a qualidade de toda a série Le Storie.

Teaser:


Le Storie #9: Impasse Mexicano (Mexican Standoff)

Roteiro: Diego Cajelli

Desenhos: Matteo Cremona

Capa: Aldo Di Gennaro

Ao longo da fronteira entre os Estados Unidos e o México – terra de “contrabando”, drogas e migrantes – um homem emerge do esquecimento após ter tocado na morte. Quem é ele realmente? Quem curou suas feridas? O que esconde em seu passado? A memória redescoberta trará consigo um cenário tenebroso de violência e vingança criminosa… mas também as sombras de presenças muito mais misteriosas. Algo que vem de longe: do abismo do tempo e do espaço…

Antes de tudo, vamos entender o que é um Impasse Mexicano, ou  Mexican Standoff, nome original da trama: Sabe nos filmes de ação quando todos levantam as armas e ficam apontando um para o outro? É isso, um impasse mexicano.

Reyes é um bandido que deveria estar morto, mas foi encontrado vivo depois de meses no deserto: em sua pele há um vestígio de cura inexplicável.

Além disso temos os seguintes elementos: Um traficante de drogas que eliminou todos os rivais e estende sua rede para além da fronteira; Estrangeiros alojados em uma base secreta dos EUA, que não são prisioneiros, mas dão ordens; Luzes que descem do céu e memórias de vidas passadas; Reyes, que pode não ser o que parece ser. Tudo isto, Diego Cajelli traz para o nono número de Le Storie.

Nos quatro quintos da história o roteiro acumula ideias: confronto dentro de uma gangue criminosa, exploração do trabalho de crianças sem futuro, contraste entre o frenesi da cidade e a serenidade das aldeias que parecem esquecidas pelo presente. Planos de vingança, amizade viril, amores perdidos, intriga, corrupção e traição. E então os alienígenas não são realmente alienígenas, entidades que não percebem o tempo, os poderes psíquicos e a transmigração das almas.

O ritmo da narrativa é administrado entre cenas de ação em alta velocidade e momentos de tranquilidade, onde são inseridos os elementos que criam expectativas. Os personagens são definidos de forma a sugerir algo mais do que é mostrado: seu passado, suas motivações, como e porque se encontraram naquela confusão de acontecimentos.

Matteo Cremona, muito eficaz nas cenas de ação, sempre construída com o ritmo adequado e com uma pincelada que comunica bem a velocidade, e capaz de transmitir, com o branco, uma sensação palpável de calor, o que aumenta a tensão.

Aí quando chega no final… a estrutura até então bem construída desmorona. Em um curto-circuito estrutural em que os elementos de mistério se revelam instrumentos para administrar um final, não dão sentido à história. Somos deixados cheios de perguntas e a dúvida de ter perdido algo no caminho.

Dá a impressão de nos encontrarmos em um episódio piloto, ou uma história pensada para uma duração muito maior e depois comprimida, sem uma revisão que adaptasse o enredo. Hábil em agradar as expectativas durante o percurso e eficaz no impacto gráfico, a história deixa, junto com muitos momentos intensos, a sensação de uma oportunidade perdida.

Le Storie #10 – Ninguém (Nobody)

Roteiro: Alessandro Bilotta

Arte: Pietro Vitrano

Capa: Aldo Di Gennaro

Ninguém… é assim que todos o chamam. “Ninguém”, o louco, o bêbado, o visionário. Como suspeitar que o maior explorador, o navegador mais incansável, se esconde naquele homem à deriva? No entanto, é assim, e Ninguém vai provar para o mundo inteiro, lançando-se em uma incrível aventura – povoada por monstros e heróis lendários – em busca do amor perdido.

Esta é a segunda obra de Le Storie com roteiro de Alessandro Bilotta e narra uma possível reescrita da saga de Ulisses, da Odisseia. Com elementos presentes em quase todas as enciclopédias de leitores ocidentais (Julio Verne, Salgari, Melville), Bilotta constroi uma história que permanece em equilíbrio entre a realidade e o sonho, entre a história dos marinheiros e uma simples viagem mental, num turbilhão apaixonado e emocionante, em que Ninguém, um novo Ninguém, procura a sua Penélope.

O autor gosta de inserir personagens e citações, verdadeiras homenagens às suas paixões, mesmo às custas de fazer da história um simples divertimento, uma homenagem às leituras do passado.

O desenhista estreante na Bonelli, Pietro Vitrano, não fica mal graças ao seu estilo denso, rico em tintas e preto, mas com boa legibilidade, como manda a tradição Bonelli.

 

Até os próximos Le Storie!