Roberto Recchioni.

A minha ideia é escrever uma interpretação livre de Tex. Mas com katanas (espada samurai)”, declarou Roberto Recchioni após um longo tempo se dedicando criativamente aos roteiros e curadoria de Dylan Dog. Recchioni acreditava que a Bonelli precisava de uma nova abordagem, uma nova temática de histórias, e porque não: O Japão Feudal.

Ao invés de Colts e Winchesters entram as espadas afiadas, que cortam corpos como manteiga. Uma história fiel à cultura japonesa e combates sangrentos são apenas alguns dos motivos pelos quais ler “Chanbara”, edição que está sendo publicada pela Editora 85 de forma integral, com cinco edições publicadas pela Sergio Bonelli Editore. Um volume com 532 páginas, papel offset, orelhas e leitura ocidental. A edição está à venda no SITE da editora e já está sendo enviada para os compradores.

“Chanbara” é o nome do gênero cinematográfico que, para o Japão, desempenha um papel semelhante ao do faroeste nos Estados Unidos: a mitificação da história nacional. Por meio das lentes de cineastas como Akira Kurosawa, Hiroshi Inagaki, Kenji Misumi, Masaki Kobayashi, Kihachi Okamoto, entre outros, o passado feudal japonês ganha contornos épicos e simbólicos, transformando-se em narrativa fundadora da identidade cultural do país.

Recchioni confessa que três obras o inspiraram ao escrever Chanbara: Yojimbo, Lobo Solitário e Vagabond. E o motivo é simples: são obras-primas absolutas do gênero. Mas estas obras são fruto de autores japoneses, Recchioni e Accardi se esforçaram ao máximo para conseguir imprimir esse espírito oriental autêntico em Chanbara.

Yojimbo (1961)

Da Morte à Honra: O Espírito Samurai em Chanbara

Ao contrário de meus outros projetos, minhas histórias japonesas nasceram do amor, e só isso. Não há cálculo comercial por trás. É uma HQ que eu quis fazer, do meu jeito, com Accardi”, destacou Roberto.

O bushido é um dos códigos de honra mais radicais de todos. O código dos guerreiros do Oriente é um conjunto de regras que orientava suas vidas, sua filosofia e o modo de agir. Um dos ditos mais famosos do Hagakure (livro publicado em 1716 com pensamentos filosóficos de Yamamoto Tsunetomo, samurai japonês nascido em 1659) diz: “Descobri que o caminho do samurai é a morte: é necessário se preparar para a morte do amanhecer ao entardecer, todos os dias”. E boas histórias de samurai partem exatamente dessa premissa.

Os samurais de Recchioni são dotados de honra e integridade, compaixão e justiça. Chanbara se passa no período Edo, uma espécie de Idade Média japonesa, com o Japão dividido em inúmeros feudos, governados por senhores locais e protegidos por seus samurais. Como nas obras que inspiraram Recchioni, o autor reúne personagens que precisam lutar por sua honra em um Japão que mistura rigor histórico com fantasia.

Toshiro Mifune.

Sem longos preâmbulos históricos, com breves explicações (sobre daimyo, seppuku, kaishakunin), na primeira história do volume da 85 somos apresentados ao jovem samurai Tetsuo, que recebe a ordem de matar seu próprio mestre, acusado de traição: Jubei Shimada (que Accardi o desenha semelhante ao ator Toshiro Mifune). Tetsuo (sim, com certeza Roberto trouxe este nome de Akira, de Katsuhiro Otomo) embarca então em uma jornada que desafiará seu rígido entendimento de honra e lealdade, mas também reafirmará seu senso de justiça inabalável.

Chanbara e o caminho dos Samurais na Editora Bonelli

Todos os elementos do gênero “chanbara” estão presentes. Em uma narrativa direta e bem construída, para leitores de mangás, fumetti ou quadrinhos regulares. A longa e perigosa jornada até Shimada confronta Tetsuo com todo tipo de perigo, mas também o leva a conhecer Ichi, um velho cego sábio e valente. Quando finalmente reencontra seu mestre, Tetsuo descobre que Shimada não falhou por covardia ou deslealdade — revelação feita através de um flashback inteligente. Ao lado de Shimada e Ichi, ele tentará restaurar a justiça num reino mergulhado em fome, saque e caos. “A Redenção do Samurai” fala sobre dedicação, rever convicções, e mostra que Shimada foi um mestre digno.

Zatoichi (2003)

Os personagens são muito bem construídos, mesmo que baseados em arquétipos. O trio de heróis (três contra muitos) funciona perfeitamente. Ichi lembra Zatoichi, famoso personagem do cinema japonês eternizado por Takeshi Kitano no filme de 2003, mas que já era popular bem antes. Ichi, aparentemente frágil, é na verdade ágil e sábio, e se torna a ponte entre Tetsuo e Shimada. Seu olhar súbito, após tantas “atuações cegas”, é memorável.

O equilíbrio entre roteiro e arte é perfeito. Accardi transmite com maestria a atmosfera da história, desde a jornada solitária de Tetsuo por paisagens até os momentos de introspecção. Algumas sequências longas e silenciosas, em paisagens cobertas de neve ou iluminadas pela lua, quase se tornam poesia visual — lembrando haicais (poemas curtos japoneses). A fidelidade à cultura, trajes e rituais japoneses é impressionante, especialmente na representação do cruel seppuku. As lutas são espetaculares — violentas, explícitas, mas ao mesmo tempo elegantes e poéticas, com destaque para o épico combate na chuva.

Sem dúvida, Recchioni e Accardi realizam um trabalho extraordinário, que marcam a história da Sergio Bonelli Editore, com rigor histórico e entretenimento de primeira qualidade.

Chanbara começou a ser publicada em 2012, na segunda edição da coleção “Le Storie”, com a história “A Redenção do Samurai” seguida por “As Flores do Massacre”, publicada em Le Storie n.15. As duas foram publicadas no Brasil em 2019, na edição Chanbara: O Caminho do Samurai pela Panini. A saga Chanbara possui até agora seis volumes e Recchioni já prometeu dar continuidade à série, com outros autores e desenhistas também.

Histórias que compõem a Edição Integral de Chanbara da Editora 85:

Chanbara #1: A Redenção do Samurai.

Roteiro de Recchionni com desenhos de Accardi.

Jubei desobedeceu as ordens de seu senhor e, por isso, deve morrer. Cabe ao jovem Tetsuo a missão de encontrá-lo e entregá-lo ao seu destino. Mas, ao longo do caminho, uma revelação inesperada mudará o rumo da missão…

Chanbara #2: As Flores do Massacre

Roteiro de Recchionni com desenhos de Accardi.

A nobre Jun viu seu pai morrer ao cometer suicídio para preservar sua honra, após denunciar a corrupção da corte — mas, em troca, recebeu apenas escárnio e desprezo do Daimyo e de seus seguidores… Prestes a tirar a própria vida por causa do desonra, Jun é interrompida pela voz do justiceiro errante Ichi: quem ri diante do sacrifício alheio não merece o triunfo, mas sim provar o sabor da espada da vingança!

Chanbara #3: O Relâmpago e o Trovão

Roteiro de Recchionni com desenhos de Accardi.

Ichi, o espadachim cego, terá que enfrentar a ameaça de Ryu Murasaki, o Diabo Branco — um ronin impiedoso à frente de uma gangue que aterroriza o interior do país, destruindo tudo por onde passa com fúria devastadora.

Para isso, Ichi convoca os guerreiros Tetsuo e Jun, e se prepara para enfrentar o inimigo. Mas os três pouco poderiam fazer sem a ajuda de Daisuke Nagata, a Besta Tonante — um espadachim movido pelo instinto e por uma força selvagem. Afinal, só a fúria do trovão pode vencer a velocidade do relâmpago!

Chanbara #4: A Espada da Traição

Roteiro de Gabriella Contu com desenhos de Walter Venturi.

Ichi e seus companheiros de jornada — o gigantesco e selvagem Daisuke, a implacável Jun e o guerreiro de alma justa Tetsuo — vão ajudar Soburo, que quer de todas as formas impedir o massacre causado por seu próprio pai, o daimyo Nobunaga.  A batalha sangrenta entre pai e filho fará brilhar as espadas da traição!

Chanbara #5: O Mundo Suspenso.

Roteiro de Gabriella Contu com desenhos de Isabella Mazzanti.

Esta aventura tem como protagonista uma personagem que já aprendemos a amar no volume “As Flores do Massacre”: a nobre Jun, agora transformada em uma guerreira incomparável, terá que usar toda sua astúcia e perseverança para enfrentar as armadilhas do mundo suspenso.

Para além de inquietantes visões oníricas, uma presença ameaçadora deixa atrás de si um rastro de sangue. Um assassino impiedoso, aparentemente invencível, espalha terror e morte. Mas todo adversário esconde uma fraqueza. Será que Jun conseguirá descobrir a de seu inimigo antes que suas lâminas se cruzem?